domingo, 15 de julho de 2012

Menos que nada

imageASSUNTO
Saúde mental, esquizofrenia, luta antimanicomial, segredo, relação terapêutica, imaginação, relações familiares, sociais e afetivas.
O filme estreia dia 20 de julho e terá lançamento diferenciado, sendo multi-plataforma (salas de cinema, internet, TV e DVD). Na internet, o filme estará disponível gratuitamente, na íntegra, em alta definição, no Sunday TV (sundaytv.terra.com.br). Na TV, o filme passa no Canal Brasil (rede nacional) e na TV-COM (Rio Grande do Sul), às 22h. Nas salas de cinema, o filme estará nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Curitiba e Salvador. A proposta da produção é facilitar o acesso do público ao cinema nacional e ampliar a discussão sobre o sistema manicomial e a saúde pública no Brasil,  abordados no longa-metragem. Para movimentar essa discussão e fazer as pessoas refletirem sobre o filme e o assunto, “Menos que Nada” promoverá uma forte interação com o público na internet por meio das suas redes sociais, no Facebook e no Twitter.  
SINOPSE
Menos que Nada é a história de Dante, um doente mental internado há dez anos num hospital psiquiátrico. Ele é considerado um caso perdido, até que uma jovem médica decide tratar dele e estudá-lo. Ao investigar o passado de Dante, surgem três personagens importantes – seu pai, uma amiga de infância e uma importante cientista. Nem todos eles querem revelar o que sabem.
TRAILER


O OLHAR DA PSICOLOGIA
Em um filme da sessão da tarde, escutei a frase “tudo que existe ou existiu foi um dia sonho (imaginação)”. Concordo, a imaginação é o que nos permite criar novas realidades. Desenvolver nosso potencial criativo é condição necessária para uma vida saudável. Mas, quando nossa criatividade nos desconecta de uma realidade, por mais que nos pareça insuportável, ainda que nos conforte, também pode nos adoecer. Como disse Jerome Lawrence: "O normal sonha com castelos no ar. O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele...". Esta face patológica da imaginação serviu de inspiração para o diretor Carlos Gerbase desenvolver a trama de MENOS QUE NADA. Fui convidada para pré-estreia do filme, que foi inspirado no texto de Arthur Schnitzler: O diário de Redegonda. Na última terça-feira, atendi ao convite com empolgação, não só pelo interesse do site, mas principalmente por explorar a saúde mental, tema tão caro a minha profissão. Devo dizer que ao final, o público aplaudiu de pé, tamanha qualidade da obra. O desenvolvimento da trama oferece a oportunidade de refletirmos sobre muitos temas relacionados à saúde mental e a falência do sistema público de saúde no Brasil. O desdobramento do enredo se dá de forma delicada, proporcionado uma experiência às vezes incômoda, outras vezes prazerosa para qualquer público. A trama supera o tema da doença, nos remetendo a um aspecto comum a todo ser humano: nossa imaginação.


MENOS QUE NADA conta a história de Dante, sob a ótica de um estudo de caso realizado por Paula, uma residente em psiquiatria que se interessa por um paciente com diagnóstico de esquizofrenia. A trama começa com Dante ainda criança, se divertindo no parque junto a uma amiguinha, quando é chamado pela mãe, que o adverte sobre a gravidade de seu comportamento “inapropriado” com a menina. (A cena sugere que a mãe  tem um comportamento pouco saudável e que reprime os movimentos naturais da criança). Na cena seguinte, ele se despede da menina que lhe pede um beijo, e, anuncia que não poderão mais brincar juntos. Após o beijo, Dante ganha o boné da amiguinha, para guardar como lembrança desta amizade (prestem atenção aos detalhes, no final há uma cena que sugere a representação desse objeto numa tentativa de elaboração dessa perda (preste atenção nos detalhes, no final há uma cena na qual há a representação desse objeto, sugerindo uma tentativa de elaboração dessa perda). A cena seguinte retrata o cotidiano de um hospital psiquiátrico anos depois. O impacto, causado pelas condições desumanas existentes na instituição, é o que irá conduzir o desenvolvimento da trama. Eu já trabalhei em saúde mental e tive oportunidade de conviver com realidades muito parecidas.
Aqui, peço licença para elogiar o trabalho do ator Felipe Kannenberg, que soube personificar em detalhes o universo dos esquizofrênicos. Sua postura, voz, pequenos e grandes gestos, deram vida ao personagem de forma brilhante, belíssima interpretação! Aliás, o conjunto da obra merece de fato os aplausos, está impecável. Como psicóloga, já assisti diversos filmes sobre esquizofrenia e fui surpreendida pela qualidade desse filme, que retrata a psicose e a realidade brasileira de saúde mental, de forma inusitada.
Ainda que a pesquisa do enredo tenha se baseado nos conceitos psicanalíticos de psicose, a trama não se prende a um único olhar, dando margem a outras construções. O descaso com a saúde mental é evidenciado logo no início da trama, quando constatamos que além de estar abandonado pela família e pela sociedade, na instituição não há qualquer atualização em seu prontuário. Esquecido por todos, Dante é considerado incurável e, como tantos outros, está sobrevivendo através de medicações que sequer são revisadas. A pesquisa de Paula pode ser vista como a busca de uma relação causal, que se aprofunda na história pregressa do paciente. Entretanto, nos é permitido um olhar mais gestáltico, onde a investigação pode ser considerada como uma busca pelo contexto do paciente. No momento presente, seu contexto é o hospital e o abandono que dão contorno a sua condição de “irrecuperável”. Mas, a investigação quase antropológica, nos conduz ao raciocínio lógico de um detetive, que tenta encontrar o culpado. Entre verdades e mentiras, somos levados a fatos que podem ser reais ou imaginários. Afinal, a verdade do paciente é aquela que ele percebe, sente e vive. A trama nos oferece a oportunidade de refletirmos sobre diversos aspectos no que tange a doença mental. Percebemos o quanto a ciência ainda desconhece sobre psicose e como ainda estamos distantes do que foi proposto com o movimento antimanicomial. De fato, somos motivados a também imaginar, às vezes confundindo os fatos com delírios e alucinações do paciente. Por exemplo, fica claro que Dante está alucinando, quando percebe como real um objeto inexistente. Tal como acontece quando seu movimento sugere uma relação sexual, seguida de luta e posterior representação de morte ou quando seu movimento sugere a escavação de um arqueólogo em seu ofício. Ainda que para o espectador fique claro que o objeto é apenas uma cadeira e não uma pessoa, para o paciente a percepção é real. Ou seja, alucinação é uma distorção da percepção do sujeito, enquanto o delírio é uma distorção de pensamento, constituindo uma ideia falsa, uma convicção errônea não-corrigível. Em alguns momentos do filme, a imagem nos leva a questionar o que é fato e o que é ideia, o que pode configurar um delírio de Dante. Afinal, a doença dele é resultado de um emaranhado de mentiras, ou o paciente constrói em sua imaginação uma nova realidade, ao se apaixonar por uma mulher inatingível? Esse aspecto da trama nos oferece muito mais do que a restrição ao diagnóstico. O espectador compartilha de fatos e possíveis sensações do universo de Dante, o que nos motiva a refletir também sobre a importância das relações na constituição do ser. A relação médico/paciente merece especial atenção, pois a relação de Paula é com a pessoa que está por trás do diagnóstico, o que permite que Dante se reconecte em alguns momentos reais do seu entorno. Fato que evidencia a importância desse cuidado na evolução do paciente. O enredo é extremamente rico e é conduzido de forma eficiente, motivando a imaginação do espectador. Para os profissionais de saúde, assistir ao filme é uma necessidade, para os brasileiros adultos, eu recomendo como um entretenimento de qualidade, confira!
Para saber mais sobre o filme, elenco, contatos e muito mais, clique aqui e visite o blog Menos que nada.


4 comentários:

  1. Sou aluna de Psico. FMU SP. acabei de assistir ao filme e considero sua analise perfeita, sensivel e cautelosa, como o enredo e interpretaçao.
    Muito bom. Parabéns
    Vera

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    1. Vera,
      Obrigada por sua colaboração. Fique a vontade para acrescentar algo referente a sua percepção. Em nossa página do facebook é possível encontrar algumas dicas, passe por lá. Boa sorte na faculdade e volte sempre!
      Abçs

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  2. Enquanto Dante remexia e escavava a terra pra descobrir a História, Paula também fez um trabalho semelhante ao do arqueólogo, explorando o passado pra compreender a história de um homem que há muito já não era visto como humano, que foi esquecido e deixou de ser olhado pelos outros.
    Muito bonita a coragem da médica, acho que poucos profissionais na vida real tem a audácia de mexer dessa forma com alguém, até por medo, como ela falou... medo de fazer mal pro paciente.
    O psicótico pode não se curar nunca, mas tem o direito de ser reconhecido pelos outros como pessoa, e foi isso que a Paula permitiu a ele. Gostei. Espera-se fazer essa diferença na vida de alguém, um dia, com essa profissão :)
    Foi uma grata surpresa. Pena que produções como essa raramente têm espaço no circuito comercial.
    O poster do filme diz: ''o amor aumenta a loucura ou será o contrário?''
    Essa é a frase que melhor traduz o filme Menos Que Nada, eu acredito que essa história fascinante entra na mente do telespectador, pois todos somos um pouco loucos e muito apaixonados com certeza.
    creio que ele realmente amou Berenice, porém como ela já estava com Ciro e a promessa que ele fez com a mãe de se afastar dela foi como uma das provas de que ele realmente levava a sério cada promessa que fazia. Ao longo do filme deu pra notar que nenhuma promessa ele quebrou!
    Ao passar do tempo, Dante conhece René que de imediato se encantou! Nesse encanto você se pega questionando várias cenas do filme se realmente aconteceram ou não. Eu acho que, por exemplo, ela não chegou a falar que iria viajar com ele... isso foi fruto da imaginação dele!
    Enfim... é o filme que você se pega questionando diversas vezes os atos de Dante pra chegar a conclusão se fizeram parte da imaginação ou da realidade dele! E isso é o que torna bacana, as várias interpretações que o filme pode ter!

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  3. Gratidão por sua rica participação, volte sempre!

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