quarta-feira, 21 de março de 2012

Não tenha medo

 
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Abuso sexual em família, relações afetivas, familiares e sociais, psicoterapia.
De difícil digestão, o filme aborda o abuso sofrido no seio familiar. Difícil mesmo, ficamos com um nó na garganta, diante da forma que o diretor escolhe para apresentar o enredo. A personagem nos é mostrada ainda criança, inocente, em meio a brincadeiras e muito amor. Somos então, levados a cena que retrata o primeiro abuso. Seu pai, figura amada, parceiro de deliciosas brincadeiras que lhe tiram gargalhadas infantis, inicia um processo de traição ao que representa o primeiro grande amor, quando dá início ao que se tornaria rotina em sua vida. A cena, ainda que implícita, é angustiante. Seguimos a trama, sofrendo abusos rotineiros. Ainda criança, ela tenta falar com sua mãe a respeito e é fortemente desqualificada pela mesma, pois a mãe ainda a acusa de “inventar estórias”. O relacionamento com a mãe deixa a desejar, seja em termos de confiança ou mesmo de afeto. O universo da criança está restrito ao afeto de seu algoz, confundindo sentimentos dentro da menina. Seu mundo de afetos é nebuloso, não há construção saudável de sua identidade. Sílvia sobrevive aos constantes abusos do pai e a ausência materna. No desenrolar da trama, percebemos que a os pais separam e ela permanece com o pai, apesar do seu desejo, como será esclarecido posteriormente, de ir com a mãe. Sua amiga de infância, é quem mais se aproxima de uma referência confiável. Da infância a adolescência, os problemas de comportamento vão permeando sua vida e resultam em internação, após tentativa de suicídio. É também a oportunidade de refazer sua estória, se desligando desse passado cruel e se revelando quem de fato é. O processo de psicoterapia é iniciado, dando força para que Silvia passe sua vida a limpo, revendo cada uma das pessoas com outros olhos. Ouvimos as palavras da terapeuta: “Fique com esse medo, com essa sensação, enquanto o faz, tenta seguir o movimento dos meus dedos com os seus olhos.” É a primeira vez que silvia compartilha suas angústias. AOns poucos,  Sílvia aprende a enfrentar seus medos e busca encarar cada qual e esclarecer suas mais profundas questões. Reviver amor e ódio com seu pai, enfrentar a omissão materna sem permitir que a mesma distorça sua realidade e esclarecer suas dúvidas em relação a amiga, permitem que Silvia se liberte. Aqui percebemos que Sílvia começava um relacionamento amoroso de forma dependente, dando continuidade ao que para ela era amor. Fica implícito que sua identidade é de fato resgatada, no momento em que ela se despede da dependência, seja de pessoas ou do instrumento, ousando se libertar de qualquer “muleta”, se permitindo iniciar a vida independente, autônoma.
Durante a trama, são apresentados diversos depoimentos de pessoas que sofreram abusos, no grupo terapêutico. É um drama de difícil compreensão, sofrido, está repleto de questões referentes ao abuso dentro da família. Recomendado para poucos, não é indicado apenas como entretenimento.
SINOPSE
 O filme narra a luta de Silvia, que aos 25 anos decide refazer sua vida por completo e se redescobrir, enfrentando as pessoas, emoções e sentimentos do passado na busca por superar, em definitivo, as sequelas dos abusos sexuais sofridos na infância. Silvia é uma jovem marcada por uma obscura infância. E na sua luta contra a adversidade, contra si mesma, aprenderá a controlar seus medos e se converter em uma mulher adulta, dona dos seus próprios atos.
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terça-feira, 20 de março de 2012

3 idiotas

 
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Vida acadêmica, escolha profissional, sistema educacional, suicídio, amizade, relações afetivas, familiares e sociais
O filme Indiano anda me atraindo muito. Temos pouco acesso ao estilo, infelizmente, mas nenhum dos que me foram indicados decepcionou. Muito pelo contrário, cada vez me surpreendo mais com o estilo. Definitivamente virei fão de carteirinha! 3 Idiotas me foi indicado por um leitor da África, que após descobrir em meu blog outro filme indiano, sugeriu que eu o assistisse. Só tenho a agradecer por essa joia do cinema de Bollywood. Trata-se de um filme longo, porém não nos damos conta disso, tal a dinâmica da trama. Marca registrada do filme indiano, não há como definir um único gênero. Podemos considerá-lo comédia, devido à proposta geral, entretanto drama e musical fazem parte do show. Isso tudo sem torná-lo confuso ou pesado, pois as mudanças ocorrem num piscar de olhos, sem que dê tempo de fixar um único estilo. Dentre os temas discutidos no filme, temos: A escolha profissional e a influência familiar; A formação no estilo de formatação, ou seja, sem oferecer estímulo a construção de novos pensamentos; A concorrência de mercado em detrimento do talento pessoal; A amizade e a busca da auto-realização.
Rancho é um personagem único, que nos encanta todo tempo. Ele tem coragem de questionar o estatus quo, seu único interesse é aprender cada vez mais. Como ele afirma, a busca da excelência será primordial, o dinheiro será consequência. Seguindo a máxima de que o que move o mundo são as perguntas, o personagem incomoda aqueles que não percebem a estreiteza do lugar comum, seguro, tradicional. Há resistência à mudança, o que é algo bem conhecido no mundo neurótico em que vivemos. Como se fosse possível cristalizar alguma forma de vida, paralisando-a com algum encantamento. A vida sem transformação deixa de ser vida, e até mesmo aquele lugar de inquestionável fama e sucesso, perde seu status quando a tradição insiste em estacionar no tempo e espaço. Rancho denuncia os prejuízos sociais promovidos pela forma como o ensino superior é oferecido na região, o que resulta em alto índice de suicídio entre os jovens. Ele busca respostas no que se revela óbvio, priorizando os fenômenos como acontecem, e não as explicações e justificativas que vão aprisionando conceitos obsoletos. Em cada cena, Rancho se mostra sensível aos fatos que o cercam, e tudo que faz é apenas questionar o óbvio, a dissonância entre atos, lógicas e sensações. Inteligente, fiel a si mesmo, Rancho se revela sensível à necessidade dos amigos e com seu jeito particular de ser, consegue tocar cada um. Posso ousar dizer mais sobre o personagem, chega a ser terapêutico tê-lo como amigo. A empatia lhe é peculiar. Aos que nao conhecem o termo, empatia é a capacidade de se perceber no lugar do outro, compreendendo sua dor ou alegria, seu mundo particular, deixando em suspenso sua forma de ver o mesmo mundo. Ainda assim, depois de retornar ao mundo pessoal, é incapaz de julgar o outro, apenas sinaliza as aspirações que consiguiu perceber. Logo no início do filme percebemos a marca de sua passagem na vida das pessoas, pois revê-lo se torna para os amigos uma prioridade. A mistura de estilo só faz encantar, pois até mesmo as músicas e danças são inseridas de forma tão deliciosa, que você se pega querendo dançar ou cantar junto. Então, quando pensamos que a solução simples virá a seguir, a trama nos surpreende com algo impactante, vamos do riso ao choro em segundos, sem que nenhuma sensação permaneça por muito tempo. É marca de um estilo diferente, que torna a experiência deliciosa. A propósito, nenhum deles é idiota, o sistema denunciado por eles, sim! Vale a pena conhecer esse universo, recomendo!
3 Idiotas discute a educação rígida na Índia, na qual muitos rapazes são mandados para escolas de engenharias pelos seus pais, sem direito à escolha, visto que é uma profissão que tem um futuro promissor nesse país, além de questionar os métodos de ensino, que tratam os alunos como máquinas e não seres humanos (Leia mais clicando aqui.).
Trecho musical do filme
SINOPSE
É a história de três amigos, os três idiotas do título, que estudavam engenharia na mesma universidade, sendo essa muito renomada e a causa de muito estresse entre seus alunos. Rancho (Aamir Khan, que coincidentemente está em Lagaan e Somos Todos Diferentes – nesse último também é diretor) é um aluno genial, que foge do convencional (ele procura entender e aprender, ao invés de decorar) e com uma história de vida desconhecida. Após a conclusão do curso, ele some. Passados cinco anos, um ex-colega de classe reaparece aos dois amigos de Rancho, alegando que tem pistas do seu paradeiro. Dessa forma, não só a viagem em busca dele começa como também a do próprio espectador, que além de conhecer alguns lugares da Índia, entenderá como essa bela amizade foi construída e porque Rancho é uma figura tão marcante e querida, além de saber sua verdadeira história. Leia mais...
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segunda-feira, 19 de março de 2012

A árvore da vida

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Casal e família, auto-suporte, relações afetivas, familiares e sociais, divino/natural, luto, conflitos existenciais.
Confesso que já tinha visto o filme e não tive inspiração para postar. Hoje, uma seguidora sugeriu que comentasse sobre, eu me senti como uma criança quando lhe puxam a orelha. Fui, então, rever o filme para avaliar a possibilidade e descobrir o motivo de não ter dado a atenção devida. Desde o início do blog, venho amadurecendo a forma comentar os filmes, que vem sofrendo transformações ao longo do processo. Certamente, em determinada ocasião foi priorizado um ou outro aspecto, dependendo do meu contexto de vida em cada momento.
Cinema e psicologia podem se encontrar em diferentes perspectivas, seja pelo tema que propõe a trama ou pela indicação deste ou aquele tipo de público que irá assistir. De fato, foi difícil para mim, por exemplo, classificar as postagens. O tema de um filme pode abordar uma questão psicológica explícita, informar ou desenvolver soluções. Pode também ser indicado para um estilo de público ou apenas ser um filme utilizado por terapeutas como ferramenta de trabalho que auxilia um processo psicoterapêutico. De acordo com a fase que estou vivendo eu priorizo um ou outro aspecto, tudo vai depender da forma que o filme me toca. Confesso que quando assisti “A Árvore da vida” eu o achei muito, muito chato, cansativo, pesado e não tive nenhuma vontade de comentar sobre. Agora, a indicação da Telma provocou reflexões sobre tudo isso e, claro, me fez reconsiderar o filme. Não me permiti descobrir o porquê de não tê-lo feito antes, pois acredito que tudo nos é revelado no devido tempo, ou seja, cada um tem seu tempo para contatar de um jeito ou de outro as novas experiências que o mundo oferece.
De fato é um filme de difícil compreensão, um estilo pouco apreciado pelo público em geral. Capaz de provocar diferentes reflexões, a trama pode também ser considerada muito, muito chata. Concordo com o comentário de Marco, quando diz que é um filme para poucos. E acrescento, não apenas pelo estilo, mas também pelo momento em que a pessoa assiste. Como ele afirma: um filme disposto a mexer com crenças e dogmas, e é um bom convite ao ato de pensar. (...) Não é fácil assistir ao filme, isso é notório. Fato é que é possível admirá-lo, senti-lo e mesmo assim não saber ao certo o que tudo quer dizer. Por vezes, pode ser recorrente a dúvida em saber se toda essa experiência foi proveitosa, enriquecedora, ou uma bagunça incapaz de encontrar coerência em sua linguagem. (leia mais clicando aqui.).
Por coincidência, assisti na última sexta, o sensacional monólogo “A alma imoral”. E, de fato fez toda a diferença em minha experiência de rever o filme. A peça é baseada no livro de Nilton Bonder, que entre outras reflexões, afirma: A natureza animal (cobra) escolhe a mulher para plantar a semente da transgressão e repassá-la ao homem para que, juntos, transgridam. O Criador implanta a primeira consciência através de uma proibição. Quando proíbe a criatura, abre a porta da co-criação. A alma é transgressora, é livre e não pode ser aprisionada no corpo, que segue o que é correto. Ele continua adiante: A verdadeira alma é transgressora. (...)A tensão entre BOM (alma) e CORRETO (corpo) nos oferece a experiência de bem-estar.
No filme, somos convidados a refletir também sobre polaridades. No início, o filme aponta ser possível viver o caminho da natureza, mundano, que satisfaz a si mesmo ou o caminho da graça, absoluta e universal - e diz inicialmente que é preciso escolher um deles. A trama se desenrola sugerindo que esses dois rumos são complementares. Dualidade que também está presente em A alma é imortal, quando sugere a JUSTA TENSÃO (excitamento) que nos oferece a experiência de bem estar. Não está em jogo a luta, falamos da tensão que se revela na experiência e reconhecimento da profunda dependência entre o BOM e o CORRETO, ALMA e CORPO. Podemos considerar a dualidade pai e mãe que lutam dentro do personagem, o amor severo e o amor quase divino, e a dualidade do próprio filme que pode ser considerado super chato ou um filme genial. Parece que essa tensão é o fato mais marcante da obra, que deixa a encargo de quem assiste escolher um dos lados de uma guerra, ou apenas refletir com a tensão. Fica a dica, se não viu ainda, escolha um bom momento para fazê-lo.
O filme mostra as origens e o significado da vida através dos olhos de uma família da década de 1950, tendo temas surrealistas e imagens através do espaço e o nascimento da vida na Terra. A trama passa pela história dessa família americana, com o pai opressor, que carrega o peso da responsabilidade e da educação dos três filhos, que veem na mãe o porto-seguro de afeto que necessitam. Esse pai quer apenas cumprir seu papel, ser o melhor “pai” dentro daquilo que percebeu como modelo de pai. A mãe, por outro lado, segue a linha do afeto, daquele modelo que compreende como o correto da função de ser mãe, não contestando qualquer das ações da função paterna. A polarização está presente nessa trama familiar, que revela a cotidiana tensão entre o bem e o mal, o bom e o correto. Ao mesmo tempo, o diretor dialoga com o futuro de um desses garotos, perdido nesse emaranhado de edifícios, espremido ainda por essa criação e o trauma da morte do irmão. A partir desses dois pontos, A Árvore da Vida então convida seu espectador a passear pelo significado de existir, e se não encontra a resposta é por que tem a clara certeza que é função de cada um chegar as suas próprias conclusões. O filme vai do Big Bang ao final de todas as coisas e cria essa experiência sensorial, profunda, tremendamente visual... (leia mais Clicando aqui ).
(...) a luta interna de seu personagem central, Jack (Sean Penn), amargurado filho de um casal com ideologias completamente diferentes. A trágica morte do irmão mais jovem do protagonista, aos 19 anos, marcou aquela família para sempre, com este trauma ainda se fazendo presente muitos anos depois. Clique aqui para ler mais.
Outros olhares
Este filho, um pouco mais velho, está na fase do Complexo de Édipo e tem vontade de matar o pai, literalmente. Vive o conflito de não poder fazer tal ato. Ama a mãe, mas também briga quando ela não o defende dos atos imperiosos do pai. Todas as derivações da formação do indivíduo são colocadas em cena. Repare bem isso no filme. Inclusive nas relativizações no tempo e no tempo psicológico da formação do indivíduo, no caso, este menino. Leia mais...
Enredo/resenha Clique aqui.
SINOPSE
O cotidiano de uma família comum da década de 50, os ensinamentos comuns à figura paterna e as consequências da pressão sofrida na infância são os principais temas pelos quais se debruçam os personagens de Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain. O enredo, que faz referências aos mistérios da existência como o Big Bang e o fim do mundo, culmina na busca pelo perdão e pelo amor oferecido de forma gratuita.
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terça-feira, 13 de março de 2012

Histórias cruzadas

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ASSUNTO
Preconceito, relações familiares, sociais e afetivas. segregação racial.
Concordo com Camilia Setúbal (Clique aqui para ler seus comentários) quando diz que é um filme sobre amor e coragem. Ela afirma: Coragem para escutar o que temos dentro, para mostrar, para lutar pelos nossos ideais, para confiarmos em nós mesmos, para sermos diferentes e não nos preocuparmos com a opinião ou aprovação das pessoas. Coragem para sermos diferente do que nossa família espera de nós, diferente do que nossos amigos/as são, coragem para ser você mesmo. (...)Mas diria também que é um filme sobre AMOR, porque com certeza não existe coragem sem AMOR. Esta é uma linda forma de perceber o enredo. O filme retrata uma época e sua respectiva “verdade”. Pois bem, falamos de preconceito exacerbado, explícito e cruel. O preconceito é exibido de forma tão vergonhosa, que nos sentimos mal em assistir tamanha desumanidade. No entanto, cada um se pergunta o porque de ainda existir, por exemplo, “banheiro de empregada” em nossos lares do século XXI!!! Não, dirão alguns, estamos muito distantes dessa realidade, o preconceito é outro, temos um preconceito social, vivemos outra realidade... Fiquei refletindo sobre isso, ao recordar uma passagem de outro filme. Falo de “A chave de Sarah”, que explora acontecimentos na França durante a guerra, quando o nazismo foi capaz de extinguir um grande número de seres humanos em nome de uma verdade  - raça “pura”.  Não é “apenas mais um filme sobre o Holocausto”, mas uma dolorida tomada de consciência do infame colaboracionismo francês na 2ª Guerra. O filme denuncia um momento histórico no qual os franceses, e não os alemães, isso mesmo, os franceses confinaram milhares de judeus em condições sub-humanas à espera da morte. Em uma cena da atualidade, ao ser questionada sobre o acontecido, uma senhora já bem idosa responde com naturalidade algo sobre lamentar pelos judeus, e, justificando o ocorrido, conta que tudo tinha a cer com as verdades contadas na ocasião. Assim, diante de verdades de uma época, é preciso muita coragem para questionar. É preciso muita coragem para buscar outra forma de ver tudo a sua volta. É verdade, para que alguém desafie uma “verdade confortável” tem que ter muito amor. Nesse aspecto, Camila está coberta de razão, foi pelo amor que a aspirante a jornalista se constituiu como pessoa, foi esse amor que a fez forte, e foi o reconhecimento deste sentimento que a fez questionar todas as verdades de um lugar e de uma época, disso não tenho dúvida. Entretanto, temos outras reflexões despertadas pela trama. Essa “verdade comum” que pode pertencer a uma época, uma cultura, um lugar, uma escola, uma religião, ou até mesmo a uma família é sempre única? Certezas, verdades absolutas são sempre suspeitas, penso eu. Acredito naquela propaganda que diz que o mundo é movido por perguntas, não por respostas. Isso é fundamental para a sobrevivência da humanidade e mudança de paradigmas. Afinal, vida é mudança e transformação, seja ela dolorosa ou não! Lamentavelmente, vivemos ainda com muitos outros tipos de preconceitos e também de verdades absolutas, que ainda podem dar muito trabalho...
Discordo de alguns críticos, que consideraram a abordagem do tema incapaz de promover reflexão, devido ao fato de não ter havido maior aprofundamento. Acredito até no contrário. O fato do enredo se desdobrar de forma leve, nos tocando com suavidade, nos permite espaço sim, para refletirmos sobre possibilidades e mudanças, reais ou imaginárias, sobre dias idos, atuais e futuros. Pode mesmo não despertar reflexão alguma, pode ser apenas um entretenimento. De fato não nos obriga a coisa alguma, a escolha é do expectador. E é aí que está a riqueza do filme. Recomendo.
O racismo se torna algo tão repugnante ao longo da narrativa (como a exigência de Hilly Holbrook de ter banheiros separados dos negros, com receio de pegar suas doenças) que leva o espectador a entrar no ringue, pedindo o extermínio daquelas mulheres fúteis e o surgimento de uma revolução pela igualdade racial/social. (Uma pulga atrás da orelha: banheiros social e de empregada do séc. XXI).  Crítica 1, clique aqui para ler mais.
Intensa, cheia de pungência, humor e esperança, “Histórias Cruzadas” é uma história eterna e universal sobre a capacidade de criar mudanças. crítica 2
Assim, é de forma extremamente íntima - como na necessidade de um banheiro separado para as empregadas ou no carinho que essas ajudantes sentiam pelas crianças brancas que criavam -, que somos apresentados ao atrasado estado do Mississipi em 1962.  Crítica 3
Histórias Cruzadas emociona, faz rir e provoca indignação ao mesmo tempo. É impossível criticar um filme que oferece um conteúdo tão rico e envolvente. Crítica 4
Imaginem minha surpresa ao me deparar com um leve e descontraído retrato de uma parte obscura da história humana, que por sinal, persiste até os dias atuais, porém camuflada. Crítica 5
SINOPSE
Mississipi, década de 1960. Skeeter acabou de terminar a faculdade e sonha em ser escritora. Ela põe a cidade de cabeça para baixo quando decide pesquisar e entrevistar mulheres negras que sempre cuidaram das "famílias do sul". Apesar da confusão causada, Skeeter consegue o apoio de Aibileen, governanta de um amigo, que conquista a confiança de outras mulheres que têm muito o que contar. No entanto, relações são forjadas e irmandades surgem em meio à necessidade que muitos têm a dizer antes da mudança dos tempos atingir.
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domingo, 11 de março de 2012

Tão forte e tão perto

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Luto, Síndrome de Asperger, relações familaires, afetivas e sociais.
Ainda que não tenha sido aclamado pela crítica, foi um filme indicado ao Oscar em duas categorias. Os críticos que leram o livro consideraram que muito se perdeu no processo de exibir na tela, o que a literatura tinha proposto. Trata-se de um drama daqueles de fazer chorar muito, pois fala de perda, da dificuldade de elaboração desta e usa como pano de fundo a tragédia de 11 de setembro. Fica claro desde o início algum tipo de patologia na criança, que apresenta diversas dificuldades em seu funcionamento, além de machucar a si mesmo em momentos de dor. Apesar de suas dificuldades, o menino de 11 anos foi motivado pelo pai a explorar suas potencialidades. A importância da relação para o desenvolvimento de Oskar fica evidente. O pai deixa claro o quanto é importante estimular sua curiosidade (criatividade como consequência) para prepará-lo para o futuro, na conversa com a mãe. A eterna busca em resolver enigmas é para o menino uma prioridade, pois assim encontra também um sentido. Encontrar um sentido para as coisas é de fato seu objetivo, portanto é também assim que elabora seu luto, tentando encontrar um sentido para a dor que a ausência paterna traz. Somos apresentados à sua angústia e sua forma de ver o mundo, logo após saber da morte do pai. Ele narra o mundo caótico com sons e imagens que se atropelam, ilustrando sua forma de perceber o mundo. Seu universo nos é apresentado no decorrer da trama, ele mesmo cita a síndrome de Asperger como uma tentativa de diagnostico não concluída. Ou seja, alguns sintomas ele possui, mas nada é explicitado. Achei muito interessante esse aspecto, visto que somos induzidos a entender a pessoa e não a doença. Ainda assim, muitos irão identificar sintomas de ASPERGER – Alguns sintomas dos portadores desta síndrome são: dificuldade de interação social, dificuldades em processar e expressar emoções (o que leva outras pessoas a pensar erroneamente que eles não sentem empatia), interpretação muito literal da linguagem, dificuldade com mudanças, perseverança em comportamentos estereotipados. No entanto, isso pode ser conciliado com desenvolvimento cognitivo normal ou alto. Outros sintomas da síndrome podem incluir Rotinas e rituais obsessivos; Problemas de capacidade motora, como movimentos desajeitados ou descoordenados; problemas de interação social, especialmente relacionados à comunicação com outras pessoas e sensibilidade a informação sensorial, como luz, som, textura e gosto. - Aos interessados no assunto, indico o filme indiano Meu nome é Khan, pois além de se aprofundar mais no aspecto da síndrome de Asperger, também aborda os desdobramentos da tragédia de 11 de setembro, sob outro ângulo. – Importante ressaltar que, ainda que retrate uma forma de funcionamento particular, devido a sua intensidade, a necessidade de buscar um sentido para ordenar o mundo é um mecanismo de defesa muito comum no ser humano. Toda ameaça que nos remeta ao desconhecido ou não compreendido nos provoca uma busca de sentido para o que nem sempre tem. Temos medo do desconhecido, principalmente do que não podemos nomear. Somos tomados por tamanha angústia que procuramos alguém que nos possa ajudar nessa busca. O diagnóstico, por exemplo, é uma busca do paciente, na tentativa de tentar aliviar a angústia daquilo que não pode compreender. A busca de Oskar acaba por levá-lo a superar seus medos e a conhecer outras realidades. Sua frustração no final do caminho o faz transbordar tudo que o angustiava, ele acaba por liberar o último nó de seu peito. Aos poucos, ele descobre a importância do caminho em si, quando se dá conta de sua perda – o que evitava enfrentar até então- e se permite parar. Nesse momento, enfrentando seus maiores receios, ele chega ao ponto de partida, e, no balanço encontra sua resposta e sua liberdade para viver. È no final que encontramos um novo começo, e os ciclos se sucedem. Há que se destacar a relação do avô com o neto como uma oportunidade de resgate de sua ausência de outrora, o carinho da avó como um diferencial e a relação com a mãe como um processo delicado. O filme é para quem gosta de drama, pois em muitos momentos somos convidados a derramar muitas lágrimas.
O que faz “Tão Forte e tão Perto” alçar voos próprios é a forma como Oskar Schell processa a própria perda, entrando num mundo muito particular, entre a fantasia e a loucura. Ele tenta oferecer respostas matemáticas a tudo, abraçando uma missão: encontrar a fechadura para a misteriosa chave descoberta entre os pertences do pai. Esse mecanismo de defesa é o que mais interessa ao roteiro de Roth. Para Oskar, é a possibilidade de retomar a comunicação interrompida abruptamente. Leia mais clicando aqui.
Suas neuroses podem ser divertidas (seu medo de transporte público, ou de atravessar pontes, produzem bons momentos), mesmo que seu pandeirinho constante – para mantê-lo calmo – irrite. Leia mais...
SINOPSE
A narrativa de Tão Forte e Tão Perto gira em torno do excepcional Oskar Schell, que aos 9 anos já é inventor amador, admirador da cultura francesa e pacifista. Depois de encontrar uma misteriosa chave que pertencia a seu pai, morto nos atentados de 11 de setembro, o garoto embarca em uma incrível jornada – uma busca frenética por um segredo cruzando as cinco regiões de Nova York. Ao percorrer a cidade, ele encontra pessoas de todos os tipos, todos sobreviventes em seus próprios caminhos. Por fim, a jornada de Oskar termina onde começou, mas com o consolo da experiência mais humana de todas: o amor.
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quarta-feira, 7 de março de 2012

Um método perigoso

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ASSUNTO
Psicologia, psicanálise, análise Junguiana, Casal e família, sexualidade, relações acadêmicas e sociais.
Imediatamente após assistir ao filme, me senti na obrigação de rever “Jornada da alma”, produção francesa de 2003 que retrata o mesmo período, com outro olhar. Para profissionais e estudantes de psicologia, ambos são mais do que indicados, são obrigatórios. Para quem deseja maior aprofundamento, sugiro que abra a aba RESENHAS, onde poderá encontrar maiores detalhes sobre os filmes.
O enfoque de UM MÉTODO PERIGOSO inclui Freud e acrescenta alguns detalhes da relação entre ele e Jung, revelando não só a diferença social entre ambos, como também o fato de Jung não ser judeu. Otto Gross também aparece na fita, retratado como paciente encaminhado por Freud para Jung, e apontado como possível provocador da ação de Jung em direção ao relacionamento amoroso com a paciente. Considerando algumas peculiaridades de cada filme, destaco a seguir algumas passagens deste:
O diretor escolhe dar ênfase as expressões de Sabina para indicar suas perturbações. Dr. Jung se revela mais diretivo, ao iniciar o a primeira sessão com a pergunta: “Você tem alguma idéia do que pode ter provocado os seus ataques?” Em seguida, somos apresentados ao termo “humilhação”, que passa a ser o foco da paciente para o que lhe angustia e lhe dá prazer/culpa. O teste de associação de palavras, aqui é aplicado por Jung com a ajuda de Sabina em Emma. Sabina já o está ajudando no trabalho e na interpretação, desenhando a possibilidade de tornar-se médica um dia. Durante às sessões, Sabina aponta as surras que levava do pai como algo excitante e provocante, exitando-a ao ponto de não conseguir conter o desejo de se masturbar. Jung retoma a primeira surra e  reforça suas sensações, ao que ela responde que gostou. Dois anos se passam e Jung visita Freud em Viena. O filme apresenta, então, alguns tópicos divergentes desde o início da relação. Jung já aponta sua discordância em alguns aspectos da psico-análise, - ao que Freud corrige “psicanálise”, como por exemplo, a ênfase na sexualidade. Também discorda do que Freud aponta como fixação na fase anal de sua cliente. Em outra cena, Jung insiste em contestar  a interpretação exclusivamente sexual do material clínico. Em outro momento, Freud aponta o círculo judeu da psicanálise como agravante para não aceitação da mesma e completa a discordância de Jung como um pensamento protestante. Aqui percebemos a divergência político-religiosa entre ambos. Em outro momento, Jung relata o sonho dos cavalos e ambos discutem a interpretação. Jung escolhe se referir as diversas gestações de sua esposa, que de fato interromperam seu crescimento profissional. Freud acrescenta a possibilidade de apontar para determinada repressão de algum desejo sexualmente incontrolável. Já com Sabina, Jung comenta que deve ter cuidado com a força de Freud, que ameaça suas idéias com sua persuasão e sedução. Sabina, então, pontua que talvez ele tenha chegado a um nível que a obediência se tornou mais importante do que originalidade. Sabina lembra a Jung que no seu caso Freud tinha razão quanto a sexualidade, ao que Jung responde que sim, mas que não seria o único fator. Em outro momento, o mito de Siegfried é a coincidência apontada por Jung como um aspecto inacreditável. Segundo ele, tudo tem um significado, não pode existir coincidência. Quem conhece a psicologia analítica pode aqui reconhecer o princpio de alguns conceitos construídos por esse teórico.
Há o encaminhamento do caso de Otto por Freud para Jung, apresentando um psicanalista e anarquista que fez história, ainda que tivesse comportamento sexual reprovado na sociedade, e fosse de fato viciado em drogas como a cocaína. Durante o período de contato com Jung, a discussão versa sobre a transferência e acontratransferência, quando Otto afirma que a monogamia é antiquada e causadora de muitas doenças humanas. Otto aponta a obsessão de Freud com a sexualidade como resultado de sua repressão, pois ele não deveria transar como gostaria. Jung, então, afirma que embora o trabalho do terapeuta seja libertar o paciente, libertar algumas repressões significa liberar todo tipo de forças, perigosas e destrutivas.  Sabina discute com Jung suas reflexões sobre o choque entre as forças destrutivas como produtor de algo novo e a sexualidade. Ela afirma estar cada vez mais consciente do fato de não ter experiências sexuais e em seguida o beija na boca, deixando Jung perplexo. Diante de sua afirmação sobre como a iniciativa deveria ser masculina, Sabina afirma que existe algo de feminino em cada homem, tanto quanto algo de masculino em cada mulher, mas que se ele quiser tomar a iniciativa, sabe onde ela mora.
Conceitos Junguianos e Freudianos são explorados na trama, tanto quanto suas divergências. Além disso, conhecemos um pouco mais da vida de Jung e das possíveis colaborações de Sabina nos conceitos psicanalíticos. Devido a riqueza de detalhes que ora se assemelham ora se diferem, entre este e “Jornada da Alma”, para aqueles que desejam se aprofundar, indico a aba resenhas.
A quem se interessar em saber mais sobre Otto Gross, clique em:
 1 Otto ou  2 Otto
(...) há um recorte temporal preciso que, esse sim, revela bastante do olhar de David Cronenberg, situando a história no período pré-espiritualista de Jung, em que a psicanálise ainda se esgueirava da metafísica para tentar compreender a condição humana passando necessariamente pelo corpo – carne, sexo e excrementos – princípio que conecta o momento vivido pelas personagens ao olhar de Cronenberg.Leiam mais clicando aqui.
Estudiosos defendem que Spielrein - que depois de ser paciente de Jung em 1904 e 1905 tornou-se sua assistente, antes de filiar-se a Freud - ajudou a formular o conceito de pulsão de morte, que depois seria atribuído ao austríaco (...) para colocar Sabina como catalisadora das diferenças entre Jung e Freud. (...) Freud inveja a riqueza do "ariano" Jung, que por sua vez ressente-se do judeu que não lhe conta um sonho que teve, "porque isso acabaria com a minha autoridade", justifica Freud. (...) Cronenberg e o corroteirista Hampton (que adapta o roteiro de forma bastante fiel à sua peça) têm a dizer sobre o Holocausto.Há referências demais à tragédia do século, ao longo do filme, para que elas sejam ignoradas. Está nos diálogos: "Os anjos falam alemão", diz Jung, enquanto Freud, já absorto em sua preocupação com o antissemitismo, diz a Sabina que fica feliz por ela desistir de seu "príncipe ariano". Está nas situações: a platéia congelada enquanto Jung toca Richard Wagner em um experimento. E, finalmente, está nas entrelinhas: na pulsão de morte da teoria da judia masoquista Sabina e na preocupação de Jung com "um pouco de repressão que seja saudável à sociedade" e com "um ato inominável que permita continuar vivendo". Leia  mais clicando aqui.
Na trajetória de Jung – humano e falho (que não acreditava em coincidências, mas que trabalhou na tese dos sonhos), ele, formal e preso às convenções sociais, influencia-se pelos métodos de seus pacientes, convivendo com a obsessão fálica de Freud, que tenta seduzi-lo (“convincente e persuasivo”), servindo de crítica ao universo psicanalítico ao apresentar o lado humano do terapeuta (com suas crenças, julgamentos e preconceitos). Não há limites. Questionam o determinismo comportamental e biológico: apanhar gerando excitação, a ninfomania e principalmente a monogamia. “Só vamos conversar”, diz-se.
Leia mais...
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SINOPSE
Em 1907, Sigmund Freud (Viggo Mortensen) e Carl Jung (Michael Fassbender) iniciam uma parceria que iria mudar o rumo das ciências da mente assim como o das suas próprias vidas. Seis anos depois, tudo isso se altera e eles tornam-se antagónicos, tanto no que diz respeito às suas considerações científicas como no que se refere às questões de foro íntimo. Entre os dois, para além das divergências de pensamento, surge Sabina Spielrein (Keira Knightley), uma jovem russa de 18 anos internada no Hospital Psiquiátrico de Burgholzli. Com diagnóstico de psicose histérica e tratada através dos recentes métodos psicanalíticos, ela torna-se paciente e amante de Jung e, mais tarde, em colega e confidente de Freud. Isto, antes de se tornar numa psicanalista de renome.
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Precisamos falar sobre Kevin

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Relações afetivas, familiares e sociais, psicopatia, adolescência, violência.
A primeira pessoa a indicar o filme foi a colega Sheila Prado, que tinha lido o livro e ficou bastante impactada com a experiência. Tratei de providenciar o filme, mas só pude assistir recentemente. Por meio dessa indicação, nossa colega Renata Rodrigues disse: ‘Sem sombra de dúvida, definitivamente foi o melhor thriller Psicológico que assisti nos últimos 12 meses! São inúmeras as questões suscitadas no decorrer do filme. São os pais os culpados pela conduta violenta de seus filhos adolescentes? O que acontece quando "bons" pais possuem filhos "ruins"? O que é a Psicopatia??? Significa que eles não são, de fato, tão bons quanto haviam imaginado?’ – É de fato um filme impactante e perturbador. Fiquei me perguntando sobre o quanto buscamos a razão de tudo. Dar uma explicação para o inexplicável nos deixará mais seguros? Escolho apenas descrever o que ainda não posso compreende. Explicar? Não tenho essa pretensão, perde-se muita energia tentando... Por agora, prefiro compartilhar diversos olhares e provocar cada leitor a experimentar a experiência de assistir ao filme.
A colega Sandra Picanço, sabendo do meu interesse por filmes, me indicou o artigo de Martha Medeiros, que compartilho a seguir.
BRITADEIRAS – Martha Medeiros (O Globo)
O filme "Precisamos falar sobre Kevin" não concorrerá ao Oscar, nem a excelente atriz Tilda
Swinton, mas uma cena já entrou para a categoria
das inesquecíveis — ao menos para mim.
Antes, informações: o filme é a adaptação do livro homônimo de Lionel Shriver. Quem o leu não esquece o soco no estômago. É sobre um garoto perverso que termina por promover uma chacina na escola. A história é narrada pela mãe, que conta sobre o susto que levou com o nascimento daquele filho que ela não identificava como uma bênção, sobre sua enorme dificuldade em contornar conflitos e a descoberta de que não é nada simples formar uma família feliz. É a desconstrução do mito da competência materna. Orientações bem-intencionadas podem não adiantar, nosso amor pode não ser bem transmitido, nossas atitudes podem não servir de exemplo. Existe algo tão influente quanto tudo isso: nossa dor interna. Ela contamina, ela comunica, ela desgraçadamente dá o tom das relações. O livro, tanto quanto o filme, é violento pela brutalidade dos sentimentos que ficam trancafiados.
A cena que me pareceu a mais simbólica e angustiante do filme mostra essa mãe com o filho ainda bebê — uma criança que não parava de chorar um minuto sequer. Não é incomum pais entrarem num surto de estresse com choro de crianças. Recentemente, um americano jogou o filho de uma lancha por ele não parar de chorar, assim como outros adultos já levaram suas crianças a óbito por total descontrole emocional.
No filme, a mãe não chega a esse radicalismo, mas está sempre a um segundo de explodir.
Então. Ela passeia por uma rua movimentada cidade com o bebê no carrinho. Ele chora. Vem chorando há dias. A mãe não dorme, não vive, apenas escuta o choro incessante da criança. Até que ela passa por trabalhadores que estão fazendo reparos em bueiros no meio da rua. Trabalho pesado, barulhento, infernal. Ela sai da calçada com o carrinho e chega bem perto do trabalhador que está perfurando o asfalto com uma britadeira.
Bem perto mesmo. Estaciona o carrinho ao lado da britadeira que faz um barulho torturante. Close em seu rosto: por um instante, ela tem o conforto de trocar o choro do filho por outro ruído que, aos seus ouvidos, soa como um solo de flauta. O breve enquadramento daquela mulher com o carrinho no meio da rua e o homem trabalhando com a britadeira a seu lado é um mix de desespero e poesia como raramente vi no cinema.
Quantas pessoas não desejariam quebrar uma perna se isso desviasse a atenção de uma dor de amor insuportável? Não é que a mãe de Kevin não aguentasse mais o barulho do choro: ela não aguentava mais o barulho da própria culpa por ser incapaz de cumprir o papel de mãe amorosa e abnegada daquele pequeno demônio de fraldas. O som da britadeira, ao menos, não tinha nada a ver com ela. Email: martha.medeiros@oglobo.com.br
Um filme perturbador, não apenas pela história em si mas pela inexistência de um motivo, seja ele qual for. Apenas a constatação de que a mente humana, que pode produzir tantas maravilhas, é também capaz das maiores atrocidades. Basta querer. Excelente filme. Leia mais clicando aqui.
Simbologia clara à Eva bíblica, em uma analogia cristã à “mãe de todos nós”, embora o filme não se embrenhe no campo religioso, a personagem carrega uma culpa dilacerante como uma mãe e como um ser humano prestes a explodir, como se sobreviver já se tratasse de um esforço superior ao que poucos seriam capazes de suportar após o grande trauma que a assola. (…) E nestes lapsos mostrando a trama em migalhas, como se estivesse em um pesadelo, deixamos com que nossa imaginação, mais cruel que a própria realidade, nos surpreenda e nos entregue o tão pesado epílogo. Brutal, cruel e sincero ao extremo, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” prova que, entre tantas histórias da ficção que justificam a maldade, ela pode ser tão natural como o aquele pecado cometido pela Eva original e seu Adão no tal grande livro escrito há quase dois mil anos. Leia mais...
Eva (Tilda Swinton) é uma mulher que se vê no centro de uma tempestade de revolta por parte da população local que a culpam por não ter estabelecido limites, e de alguma forma permitir que o seu filho Kevin cometesse as atrocidades que culminaram na morte de inúmeros adolescentes. O fardo de Eva se inicia logo após o nascimento de Kevin. Eva percebe desde o início que deu a luz a uma espécie de Damien, um monstro ou psicopata, como queiram. O mal personificado. Sua penitência será conviver com Kevin. Não há justificativa para o comportamento do filho. Não há grandes traumas. Ninguém passou necessidades. Exceção feita à permissividade (John C. Reilly) com cara de otário o tempo todo, a propensão que o filósofo Kant apontava no ser humano como uma tendência intrínseca (assim como o bem) parece elevada ao grau máximo em Kevin. Mentiroso, manipulador, calculista, só interessado única e exclusivamente em seu próprio prazer. Se Eva tinha dúvidas entre ser mãe e se dedicar ao seu trabalho, ela certamente voltaria no tempo e não teria engravidado de Kevin. O drama e o sofrimento solitário de Eva são comoventes, pois viver com a culpa dos atos insanos do filho não é tarefa fácil. O pecado de "Eva", ou seja, de todas as mães do mundo beira o insuportável. Crítica, continue lendo...
Ao contrário do que se possa imaginar, Kevin não cometeu suicídio após perpetrar o terror em sua escola. Isso não seria, até mesmo, condizente com o olhar desafiador e arrogante que ele manteve por boa parte de sua vida. Ele calculou tudo direitinho. Ele queria ir para a prisão. Só não sabia, do alto de sua petulância, que condenaria também a sua mãe a uma espécie de prisão. O ato de covardia de Kevin é ainda maior porque não é ele quem tem que encarar as pessoas e o peso da culpa após cometer um crime. Este sofrimento cabe à sua mãe. (...) O filme é certeiro em analisar friamente cada ato e cada falha de Eva como mãe. Mas, é ela que permanece ao lado do filho no final. O roteiro passa a mão na cabeça do pai compreensivo, Franklin (John C. Reilly), até a última cena – fazendo até parecer normal que tenha sido ele a pessoa a estimular o hábito de arco e flecha do filho que se revelaria o modus operandi do crime que ele cometeu. Leia mais...
Kevin é o pesadelo em forma de criança/adolescente; é malcriado, mimado, dissimulado, grosseiro. Kevin é um caso sério, realmente precisamos falar sobre ele. Leia mais, clique aqui.
Baseado no incendiário romance homônimo da norte-americana Lionel Shriver, "Kevin" é um filme sobre a maternidade, sobre aquela velha falácia "ser mãe é padecer no paraíso". (...) O romance, que consiste em cartas de Eva para o marido após a tragédia, e o filme argumentam que nem toda maternidade é feliz. Eva, aparentemente, nunca quis ser mãe e isso se torna um fardo para ela. Mas teria Kevin nascido mau ou a criação de Eva e o excesso de permissividade de Franklin o teriam transformado num menino perverso? Não é um debate simples, e Lynne e seu corroteirista Rory Kinnear não se aventuram a esboçar uma solução - o que seria ingenuidade do filme. Nesse sentido, "Kevin" beira um estudo de caso, mostrando o que aconteceu com esse garoto - certamente outras pessoas, nas mesmas circunstâncias, agiriam de forma diferente. (...)A relação sempre tensa entre Eva e Kevin (quando adolescente, interpretado por Ezra Miller, da série de TV "Californication") é o que pauta a trama que transita entre o presente - quando ele está preso - e o passado - a vida em família antes da tragédia. Tal qual o romance, o filme descortina os fatos aos poucos. Entende-se logo o que aconteceu mas só mais tarde se compreende como aconteceu, suas dimensões e implicações. (...)A questão que, sabiamente, o longa levanta é: uma pessoa pode ser responsabilizada pelos atos de outra? Mesmo não sendo uma mãe-modelo, Eva pode ser culpada pelas atitudes do filho? Alguns personagens pensam que sim - muitas vezes, ela mesma se martiriza, embora tente levar uma vida normal (se é que isso seja possível após tal tragédia). (...)Este não é um filme fácil de se ver. E até pode gerar um sentimento de culpa. Leia mais...

SINOPSE
Eva (Tilda Swinton) mora sozinha e teve sua casa e carro pintados de vermelho. Maltratada nas ruas, ela tenta recomeçar a vida com um novo emprego e vive temorosa, evitando as pessoas. O motivo desta situação vem de seu passado, da época em que era casada com Franklin (John C. Reilly), com quem teve dois filhos: Kevin (Jasper Newell/Ezra Miller) e Lucy (Ursula Parker). Seu relacionamento com o primogênito, Kevin, sempre foi complicado, desde quando ele era bebê. Com o tempo a situação foi se agravando mas, mesmo conhecendo o filho muito bem, Eva jamais imaginaria do que ele seria capaz de fazer.
O filme começa com a situação atual de Eva Khatchadourian (Tilda Swinton, sempre ótima), uma mulher em depressão, desempregada, vivendo sozinha sem rumo em uma casa de uma pequena cidade, onde sofre com o ódio de alguns moradores. Nesse ambiente tedioso e extremamente melancólico, vemos o cotidiano de Eva se costurar, por meio de flashbacks, com um passado não tão distante.
Casada com Franklin (John C. Reilly), ela dá à luz a Kevin, o primogênito da família, que gera conflito entre mãe/filho desde o berço. A relação entre os dois permeia todo o filme, até atingir o ápice na adolescência do garoto, muito bem interpretado pelo jovem Ezra Miller. O nascimento da doce Celia (Ashley Gerasimovich) vem complicar ainda mais a convivência de Eva com Kevin, que se mostra um filho exemplar para o pai, indiferente diante das tentativas da esposa de alertá-lo com relação às maldades do adolescente. (...)Em uma edição primorosa, que entrega em doses homeopáticas as peças deste quebra-cabeça tenso e mórbido, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” tem um tom de suspense crescente e constante. cinemacomrapadura.com.br/criticas
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quinta-feira, 1 de março de 2012

Tiranossauro

Tiranossauro
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Relações afetivas, familiares e sociais; violência, abuso, comportamento autodestrutivo, alcoolismo.
Uma colega querida me citou na seguinte mensagem do face book: Esse belíssimo e impactante filme contextualiza a natureza multifacetada de todos nós: somos anjos e demônios. As agruras são potencializadas com as rupturas de paradigmas. As aparências enganam. Na comunhão de anseios, na difícil acomodação entre egoísmo e altruísmo, uma forma de felicidade encontra sua forma de acontecer, e ela geralmente pede alguém para experimentá-la conosco. Percebo o cuidado e a forma competente que o diretor aborda a fragilidade e os desdobramentos de todo e qualquer tipo de relação humana! RECOMENDO MUITO!!!!!!! (Renata Rodrigues).
Diante do fato, Procurei o filme para assistir e compartilhar com vocês. “Tiranossauro” fala de pessoas e problemas que nos são tão próximos. As formas de existência que chocam em um primeiro olhar, mas que se aproximam de nossa realidade cotidiana. Os protagonistas podem ser nossos vizinhos, colegas de algum conhecido, ou, simplesmente existir em nossas fantasias ou pensamentos. Fato é que por mais chocante que nos pareçam, fazem parte de nossa humanidade. Joseph é se apresenta de forma assustadora a princípio, suas atitudes transparecem seu desgosto pela vida, e conseqüente comportamento de autodestrutivo. Um contraste evidente quando se trata de relacionar-se com uma criança ou com a própria Hannah. Aquele que parecia pouco humano, agressivo, “sem coração”, se revela, ao longo da trama, uma pessoa sensível. Nada é o que aparenta ser, logo ficamos cientes disso no desenrolar do enredo. Um olhar superficial nos engana, há mais dentro de cada um. O filme não aprofunda as questões que tornaram Joseph tão reativo, mas nos oferece a pista de ter convivido com muitas injustiças e viver um momento de ‘tolerância zero’ com tudo que o cerca. Hannah, por sua vez, tem diversas provocações à sua passividade. Sua doçura é desafiada diariamente através do abuso e da violência que lhe é imposta por seu marido. No momento de reagir se identifica com seu novo amigo, Joseph, e sua mais humana expressão da existência. É do inusitado que vislumbra a possibilidade de se arriscar a viver. É nessa relação que as possibilidades se desdobram, nos oferecendo oportunidade ímpar de refletir sobre nossos gritos e silêncios do dia a dia. Vale conferir!
Tiranossauro é mais sutil: é a palavra, o amor, que acaba encontrando unidade no poético mundo do caos. Encontrando um paralelo estrutural com o Contra a Parede de Fatih Akin, o filme inglês se sobressai ao utilizar o mundo cão de uma tragédia para estudar o retrato de um homem que, perdido na vida, encontra em outra perdição, a paz. Leia mais clicando aqui.
A potência do filme é arrebatadora, com seqüências que acompanham o público por longos minutos após o final da sessão (como a primeira aparição do marido abusador de Hannah), eterna nas expressões radicalmente sofridas de Mullan e de Olivia Colman. E essa sensação vale mais que qualquer pequena derrapada, pois como pode ser extraído do próprio filme, o erro é parte fundamental para o amadurecimento. Continue lendo.
“Tiranossauro” acompanha a lenta construção de um relacionamento entre o auto destrutivo Joseph e Hannah, vítima de violência e abusos. (...)Mullan interpreta um personagem que vê o fim da vida a aproximar-se, mergulhado na tristeza, um desespero que afoga nas constantes visitas ao pub e nas trocas de ameaças com os jovem da terra. (...)“É sobre o encontro de duas almas que vêm de estratos sociais diferentes, mas que descobrem uma amizade, que se compreendem e partilham a dor, algo que parece muito improvável porque a sociedade levanta muita barreiras. No filme, uma das vitórias é exatamente o facto da personagem da Olivia sentir-se confortável e à vontade com este homem que no inicio pensamos que é um indivíduo muito perigoso”. Leia mais....
SINOPSE
Joseph é um viúvo atormentado. Desempregado, violento e alcoólatra, ele passa a vida descontando sua raiva ao mundo. Um dia, porém, conhece a religiosa Hannah, dona de um brechó de caridade. Apesar das diferenças entre os dois, o jeito acolhedor de Hannah faz com que eles desenvolvam uma forte amizade. Casada, ela tem uma vida conjugal aparentemente normal, mas que esconde um marido agressivo e ciumento. Ligados pelo desamparo, Joseph e Hannah precisam encontrar um caminho para suas vidas. Vencedor do prêmio especial do júri de ator e atriz e melhor direção no Sundance Film Festival 2011.
TRAILER OFICIAL (Inglês)
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