quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tangerinas

clip_image001ASSUNTO
Guerra, violência, relações afetivas, sociais, humanismo – valores humanos, humanidade, amizade, perdas.
SINOPSE
Aldeias estonianas foram formadas na Abecásia, na segunda metade do século 19. A guerra entre Georgia e Abecásia começou em 1992 e alterou a vida pacífica dos habitantes estonianos. A comunidade da Abecásia quer se tornar independente da Geórgia. Quase todos os habitantes já deixaram a aldeia. As aldeias ficaram vazias, apenas alguns permaneceram. A história de Ivo (Lembit Ulfsak), que com a ajuda do produtor de tangerinas Margus (Elmo Nüganen) e o médico Juhan (Raivo Trass), salva a vida do checheno Ahmed (Giorgi Nakashidze) e do georgiano Niko (Misha Meskhi), em um povoado estoniano da Abecásia no meio da guerra de 1992.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Filme para poucos, a trama tem como pano de fundo o período após a dissolução da União Soviética, quando muitos conflitos foram iniciados. Embora retrate o embate entre russos e georgianos, o tema central é a humanidade que há por trás do conflito. Não se trata de um filme de guerra, como tantos outros, que colocam o "foco" na ação. Não, os conflitos retratados são muito mais aqueles internos, os que não produzem grandes efeitos visuais. Restrito a poucos personagens e a apenas parte da aldeia, o filme é lento,  embora tenha seu tempo de projeção considerado curto. Abecásia se torna uma região de fronteiras disputada. Desde o século dezenove muitos estonianos lá se instalaram, colaborando para que as tangerinas fossem consideradas produção típica da região. Desde o início da guerra, muitos retornaram para terra natal. Dentre os poucos que restam no vilarejo, estão Margus e Ivo, ambos estonianos. O primeiro não quer desperdiçar sua colheita, considerando a possibilidade de partir após comercializar suas tangerinas. Já o marceneiro Ivo, além de ficar para ajudar o amigo, logo deixa claro o seu amor pelo lugar onde constituiu família. Todo o filme é passado no vilarejo, seja na casa de Ivo ou no pomar de Margus. O isolamento da aldeia não é suficiente para manter a guerra afastada. Os russos contratam os chechenos como mercenários que, ao encontrarem Georgianos nas proximidades, travam combate armado. Ivo, junto ao amigo, recolhe os sobreviventes e os acolhe em sua casa. Ahmed e Niko se odeiam por princípio, estão em lados opostos, o primeiro é Checheno e muçulmano, o segundo Georgiano é cristão ortodoxo. Outra perspectiva da guerra é colocada em foco, através desse conflito sabiamente controlado pelo por Ivo, que tal qual um avô sábio, se torna maestro naquele dissonante conjunto de dois "netos".
A guerra fria é instaurada sob o seu teto, quando Ivo os faz prometer que naquele recinto não haverá morte. As desavenças ideológicas encontram espaço para hostilidades, que descobrem outros caminhos através da sensibilidade e sutileza do velho sábio. Qual a razão do ódio que os separam de fato? As ideologias dominantes não impedem que a humanidade deles seja revelada naquele território neutro. “Tangerinas” é simples e direto, passando uma mensagem pacifista clara, ao revelar que a convivência pode, aos poucos, desconstruir ideias e ideais pré-fabricados. Além de questionar a estupidez da guerra, o filme nos provoca reflexões diversas sobre diferentes conflitos. A disputa de fronteira que ocorre entre territórios coletivos também é possível acontecer entre indivíduos, Sobretudo quando as diferenças se tornam razão para desavenças. Religião, gênero, opção sexual, classe social, e tantas outras diferenças, produzem conflitos de dimensões impensáveis. Fronteira, como pensada na Gestalt-terapia, é o lugar do contato, único espaço de crescimento possível. São as diferenças que nos trazem material novo para ampliação de fronteiras, não sendo necessário para isso se dar um combate mortal. É possível assimilar o que para nós faz sentido, respeitar as diferenças e deixar com o outro o que para ele é importante. Nenhuma realidade pode ser compartilhada da mesma forma, sempre teremos nossa forma particular de vivenciar algo, a verdade singular. Essa forma de ser foi construída através do somatório de diversos contatos durante a vida. As representações de mundo, do jeito pessoal de a concebermos, nem sempre fazem sentido em nosso mundo pessoal. As experiências nos permitem descartar o que não serve mais, e, continuarmos exercendo nossa capacidade de escolha ao longo da vida. Muitas ideologias permeiam nossa trajetória, faz parte do crescimento aprender sempre com a diferença, com os novos fatos e pessoas. O que realmente somos está muito aquém dessas ideologias pré-fabricadas, estão em nossos sentidos, que são de fato nossa maior ferramenta diante daquilo que ainda não conhecemos. Estranhamentos farão sempre parte desses momentos que nos transformam, é preciso contatar o diferente para tanto. O lugar do conflito, da diferença, da crise, é também lugar de oportunidade. O filme, apesar de retratar o que há de humano por trás de personagens em guerra, supera o fato retratado, se tornando tocante, inteligente e sensível. A sutileza está lá para quem se disponibilizar a perceber, é um filme para poucos. Em nossa maioria, andamos apressados demais para deixar que algo provoque um momento de reflexão sobre como temos feito nossas escolhas. É uma reflexão difícil, requer muita paciência, sensibilidade, respeito e tolerância. Requer, principalmente, que tenhamos humildade para reconhecer que no fundo, lá no fundo, somos todos seres humanos, apesar das aparentes diferenças. Se for possível uma pausa, recomendo que assista e se deixe tocar pela trama, vale a pena!




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