JORNADA DA ALMA
O filme transita entre a contemporaneidade, onde dois pesquisadores fazem a pesquisa, e as cenas da pesquisa em si, que vão se desenrolando conforme o avanço das descobertas, focando a vida de Sabina.
Em Zurich 1904, os pais chegam ao hospital para internar
Sabina e explicam que suas alterações começaram quando sua irmã caçula faleceu
de pneumonia e que vieram da Rússia na esperança que pudessem ajudá-la.
No diário, Sabina relata que os pais voltaram
para Rússia e a deixaram internada, sentindo-se abandonada e solitária. Jung se
apresenta como o médico indicado pelo professor Bleuler para cuidar de seu
caso. Fica evidente sua discordância sobre o tipo de cuidado que era oferecido aos
pacientes psiquiátricos quando dispensa a freira – na cena a mesma força a paciente
a comer. Dr. Jung, depois, informa que
deseja experimentar um novo tratamento com ela, sem duchas frias ou correntes
para prendê-la a cama. O trabalho
consiste em deixá-la falar tudo que vier a cabeça. Enquanto fuma seu cachimbo,
Jung inicia um verdadeiro diálogo, ouvindo, perguntando e se familiarizando com
o mundo de Sabina, por mais desconexo que possa parecer.
Esta cena me remete ao olhar fenomenológico, pois a verdade do sujeito
é respeitada como tal, não é contestada. Compreender o mundo que o cliente vive
é crucial para o atendimento psicoterapêutico. No filme, a paciente afirma que
“ninguém presta atenção quando digo essas coisas”. Está configurado o início do
vínculo terapêutico.
O próximo contato de ambos é ao
ar livre, onde dois pontos devem ser destacados. Jung revela seu gosto pela
escultura e Sabina apresenta um sintoma histérico ao cair, revelando que não
sente as pernas. Ao ser questionada sobre outros episódios semelhantes, Sabina
abre a blusa, mostrando as mamas que amamentariam os filhotes.
Após escrever em seu diário sobre
a beleza do médico, Sabina não consegue dormir e no meio da noite se masturba.
Jung discute o caso com a esposa,
afirmando que o diagnóstico clínico é histeria, mas que acha que é mais
complexo. Jung cita o complexo de Édipo não resolvido. A esposa aponta a
relação dele com Freud sobre o mesmo ângulo, pois sendo uma relação como pai e
filho, ela indaga: será que vão tentar matar um ao outro?
O teste de associação de palavras
desenvolvido por Jung é aplicado em Sabina. Após tocar em seus conflitos mais
dolorosos, Sabina reage, fugindo e questionando o motivo de nunca saber da vida
dele. Em seu quarto, ela grita: para que me tirou da morte?
Jung acorda durante a noite
revelando a esposa que precisa ir ao hospital, pois sonhou que sua paciente
havia fugido do hospital – temos aqui uma indicação do material de sonho, que Jung veio estudar posteriormente, e,
chamar de inconsciente coletivo. Jung comprova sua tese ao encontrar a paciente
no poço do hospital. Posteriormente, após fazê-la prometer que não ameaçará
mais sua carreira com outro incidente daquele, Jung a convida para uma sessão
externa. Em um restaurante, ele atende a sua reivindicação, entregando o seu
diário para que ela aprecie. Compreendendo suas ações como um ato de amor, o
que ele confirma ser condição para qualquer tratamento, ela confessa se
masturbar constantemente, com certa vergonha. Ele a incentiva, dizendo que
todos fazem isso – em volta os clientes do restaurante reagem chocados e ela
adora ouvir que ele também faz isso. Acompanhamos quando Ema, a esposa,
discretamente assiste a cena dele alimentando a paciente no restaurante.
Na cena seguinte, desconfiamos do
controle e manipulação que a Esposa exerce sobre Jung. Ela esconde o quanto
sabe e apresenta fartura de guloseimas na sobremesa. Desconfiamos, então, que
Jung é assim seduzido, tornando sua culpa um motivo para se afastar do
hospital, pois a próxima cena retrata a tentativa de suicídio de Sabina.
Professor Bleuler é chamado e ordena que seja enviada ao segundo andar,
afirmando que o método Jung acabou. Em uma camisa de força, Sabina é enviada ao
tratamento de choque.
Jung chega ao hospital
encontrando Sabina acorrentada e ordena que a soltem, contrariando a ordem do
diretor. Afirmando que arriscaram meses de trabalho com as ações, Jung afirma
que se ausentou por algumas semanas e quando volta os encontra na idade média.
Ela o chama de traidor, ele retruca que não foi ele que fez aquilo, e,
justifica sua ausência relatando que esteve prestando serviço militar
obrigatório. Por que tentou se matar? Ninguém aqui me ama, ela responde. De
agora em diante somente eu cuidarei de voce, ela pede que assim jure.
Ao entregar seu diário, onde está
testamentado sua intenção de deixar sua cabeça para Jung estudar e apontar a cremação
do corpo com o devido direcionamento das cinzas, Jung responde com a entrega de
sua alma, representada por uma pedra que carregava desde criança. Jung pede
então que seja a guardiã de sua alma. Em seguida vemos a evolução de Sabina,
que canta e dança junto aos outros pacientes, transformando o momento em espaço
terapêutico para todos, vencendo até a rigidez do diretor. Acompanhamos sua
descrição de melhora a partir de então, quando Sabina relata que se passa quase
um ano desde que voltou a comer com regularidade, e, que já não era preciso ver
Dr Jung todos os dias, passando a 2 vezes por semana apenas.
Chamo a atenção para o momento de
mudança de Sabrina, tão bem marcado na trama. Trata-se do vínculo que foi
fortalecido quando Jung a entregou sua pedra. Penso que este momento simboliza
muito do que o terapeuta, quando se coloca como ferramenta, pode conseguir. Não
é preciso ceder aos clientes suas particularidades, entretanto, sair do lugar
de Deus e reconhecer seu lugar humano na relação é um ponto chave. A entrega de
sua “alma” pode representar apenas a entrega de sua condição humana de não ser
o dono da verdade, o que implica em reconhecer a potencialidade do cliente como
soberana. “Estar com” o cliente é entregar sua alma ao processo terapêutico,
disso não tenho dúvida. Nesse momento, ainda falamos do amor terapêutico, tão
necessário ao sucesso do trabalho. Entretanto, no filme as coisas seguem outra
direção, Jung rompe com a relação terapêutica, como poderemos acompanhar na
trama.
Na sessão seguinte, Sabina se
revela mais integrada encarando a solicitação de Jung para que conte seus
sonhos como uma possibilidade de inverter a situação. Ele, ainda que afirme que
como médico não deveria concordar, abrirá uma exceção para ela. A cliente é
dado um outro lugar a partir de agora, fica claro que a relação médico-paciente
começa a ser transformada.
“Tinha esse cavalo enorme... Um
garanhão. Estava agitado. Alguns homens tentavam controlá-lo, mas não conseguiam.
Um potrinho passou trotando tranquilamente. Então, de repente, o cavalo se
acalmou”.
Sabine assume seu novo lugar e
aplica o teste da associação de palavras: Garanhão, ele retruca: treinador;
continuando como descrito a seguir: disciplinado/discípulo; Mestre/ Freud; Ela
interpreta: Freud te assusta e você tem medo de se comportar como um potro
dócil quando ele está por perto. Ele retruca: talvez. Ela continua: pode ser
que seu sonho seja um sintoma de sua insatisfação... Ele responde: Viu?
Trocamos de papéis. No seu ponto de vista, que tipo de insatisfação. Ela
responde: Insatisfação sexual. A reação de Jung faz ela perguntar se o
constrangeu. Ele responde: Vê amor em toda parte, não é? Sabina – É a força que
Governa o Mundo. O senhor mesmo disse que não há cura sem o amor. Não se
lembra? Jung pega o relógio no bolso para ver a hora. Sabina interpreta a ação
de Jung afirmando ser o fim da sessão. Recolhe seus pertences e se dirige a
porta quando é interrompida por Jung. Ele a olha, tocando sua face com ternura.
Em seguida perde perdão. Ela retruca: Pelo quê? Ele afirma: há momento que não
consigo me controlar. Ela segura sua mão carinhosamente trazendo-a ao rosto e
diz: Fico feliz que isso também aconteça com os médicos. Antes de ficar ainda
mais intenso, Sabina foge da situação, o deixando transtornado.
Nesse momento, vemos claramente a
angústia de Jung que não consegue mais
reassumir seu lugar de terapeuta, muito menos vê-la como paciente. É no
espaço externo ao hospital que os dois se reencontram, estando ambos em outro
lugar na relação. Uma exposição de artes, ambos se apreciam a mesma obra,
quando ela o surpreende: Na sua opinião, por que Judith matou Holofernes?
Surpreso em me ver aqui? Ele responde:
Porque deus a mandou fazer isso, para salvar seu povo. Sabina diz: Primeiro ela
o seduz, depois corta sua cabeça. Veja a expressão dela. Ela parece mesmo
alguém que executa ordens de Deus? Jung retruca: O que esta sugerindo Srta?
Sabia se aproxima mais do quadro e afirma: Olhe com atenção Dr. Os olhos dela,
a sensualidade de sua boca, seus seios à mostra, sua mão cheia de jóias,
segurando a cabeça dele. Não, Judith não matou Holofernes porque deus mandou.
(...) Ela o matou porque o amava. Jung sorri e responde: Sabe... As vezes, você
me diz coisas que realmente me chocam. Choca? – ela retruca – Como explorador
do inconsciente humano, achava que nada pudesse chocá-lo, Dr.
Na cena seguinte, no jardim de
sua casa, Jung se encontra trabalhando numa escultura, quando sua esposa
pergunta: O que vai ser? Fumando seu cachimbo e marcando a pedra, Jung
responde: Um embusteiro. Uma figura mitológica que traz luz ao caos. Ela,
então, pergunta: O que houve com a garota russa a quem se dedicou tanto? Ela
recebeu alta, responde ele, o tratamento foi um grande sucesso. Eu vou escrever
um relatório para a conferência internacional. Ela pergunta: Você a tem visto?
Não, responde ele a fitando, por quê? È difícil quebrar o elo entre médico e
paciente, responde elam enquanto alisa sua nova trança, tão semelhante àquelas
utilizadas por Sabina. Ele aponta ter percebido, quando afirma: Interessante o
que fez com o cabelo. Ficou bom, não é? Ela retruca. Ele, retorna para sua
escultura enquanto ela se retira, permanecendo em sua reflexão.
Jung, que já não é mais seu
médico, surpreende Sabina com sua visita. Ao afirmar que soube que ela tinha se
matriculado na faculdade de medicina, ela a parabeniza. Ela afirma que
aconteceu graças a ele, pois tinha sugerido que ela estudasse psiquiatria.
Convidado a entrar, Jung a presenteia com uma publicação resultante do estudo
de sonhos de uma paciente, considerando que ela poderia apreciar. Enquanto se
acomodam, Sabina aprecia o texto, dizendo: Veja, eu carrego sua alma sempre
comigo. ... Eu sou a jovem mulher com sonhos? Ele responde: Não. Não é uma
paciente minha. O diálogo prossegue denotando uma ruptura no espaço e lugar,
tornando-se momento onde palavras pouco dizem, e, o tão conhecido teste de
associação se transforma em jogo de palavras, resultando na rendição de ambos,
na entrega da paixão que toma conta de ambos. Corpos entrelaçados marcam o
início da vivência de uma paixão.
Voltando a contemporaneidade, o
filme mostra a dificuldade dos pesquisadores em encontrar material sobre os
trabalhos realizados por Sabina, quando volta à Rússia, antes de retomar a
visita de Sabina ao consultório de Jung, disfarçada de homem russo. Na ocasião,
cenas de sexo entre ambos marcam a continuidade desse caso, que irá ocupar cada
vez mais espaços, seja no hotel ou na
ópera, onde ambos compartilham de momentos juntos. O diálogo na ópera, quando
Jung chora de felicidade, revela mais de seus conflitos pessoais. Ele afirma, o
choro é de felicidade, maldita felicidade – era
o que dizia minha mãe quando eu era pequeno. Ela queria dizer bendita,
ele continua. Mas acho que ela estava certa. Maldita felicidade. Então, Sabina
se empolga e se entrega entre carícias, afirmando quero ter um filho seu. Aqui
e agora, eu quero conceber um filho seu. Jung reage chocado: o que está
dizendo? Você está louca! Ela responde: claro que sim, foi você mesmo que
diagnosticou, mas depois me curou, Portanto, não sou mais louca! Jung se mostra
transtornado e transformado com tudo, se afasta empurrando-a.
A cena seguinte mostra Jung escrevendo a Freud: Uma ex-paciente minha, a qual sempre tratei com respeito, está ameaçando destruir a minha vida, só porque me neguei o prazer dar a ela um filho. Está completamente apaixonada por mim. Eu me tornei seu pai, seu amante e seu marido. O que posso fazer? Não adianta pedir a ela que se controle!
A cena seguinte mostra Jung escrevendo a Freud: Uma ex-paciente minha, a qual sempre tratei com respeito, está ameaçando destruir a minha vida, só porque me neguei o prazer dar a ela um filho. Está completamente apaixonada por mim. Eu me tornei seu pai, seu amante e seu marido. O que posso fazer? Não adianta pedir a ela que se controle!
Ainda que não tenha percebido que
sua esposa tinha o observado, Jung vai ao jardim, e inicia o diálogo com a
escultura, enquanto vai martelando: Sei
que dirá que a culpa é minha, professor. Mas, lógica e razão nunca tiveram
muito efeito sobre a paixão, certo? Sim, eu sou o culpado. Culpado de ter sido
vítima de meu desejo. Mas o senhor mesmo disse que o amor está extremamente
próximo da psicose. Que amor é loucura! – seus movimentos deixam de
esculpir e passam a destruir a imagem –
Amor é loucura! – Da janela, sua esposa assiste a cena. Jung larga as
ferramentas e desmorona no banco, mãos na cabeça abaixada, expressando desânimo
e derrota.
A trama retorna aos
pesquisadores, quando é lido: Então,
alguém mandou uma carta anônima aos pais de Sabina, falando sobre o caso dela
com Jung. Discutindo a possibilidade de ter sido Ema, com a intenção de
salvar seu casamento, relatam que o pai de Sabina escreveu uma carta para Jung
que dizia: “Minha filha o tratou como um Deus e o Senhor se comportou como um
mortal desprezível”. Ao que Jung respondeu com outra carta, que na essência,
dizia: “Como o Senhor tratava Sabina como uma qualquer, não tem o direito de se
queixar”. Sabina, então, escreveu a Freud pedindo conselho. Freud ordenou que
rompesse com Jung imediatamente. Segundo a pesquisadora. Fred não ligava para
Sabina. Jung tinha se comportado muito mal, mas estava sob as asas de Freud .
O filme retorna a casa de Sabina,
no momento em que Jung chega com flores, mas com uma expressão desconcertada.
Sabina interrompe o discurso de Jung, quando ele diz que veio dizer... – ela
completa: “Que devemos por fim ao nosso relacionamento”. Ele apela por sua
sensatez, alegando que sua esposa, é interrompido de novo, quando ela completa:
tenho que deixar de te ver. Ele continua: Pelo bem de todos, eu te imploro que
tente reprimir suas emoções. Sabina joga as flores nele, que reage dizendo não
querer um escândalo. Ela retruca: Será que não entende? Está rejeitando a
melhor parte de você. Caminhando em direção a ele, ela o beija e diz: Nosso
amor é a coisa mais linda do mundo. Ele a afasta, dizendo: você me ama porque eu
a salvei. Agora, preciso que me ajude. Esta paixão irá me destruir, irá
destruir nós dois. Ele afirma que poderão continuar se vendo, que ela poderá ir
a sua casa e ficar amiga de sua esposa. Ela reage mal, afirmando o quanto é
desprezível sua proposta. Ele retruca que às vezes é necessário à
sobrevivência. Ele afirma que antes dela tinha tudo e que agora estava doente.
Sugere que ela dê esse amor aos pacientes que ele encaminhou, pede que não o
puna com o amor dela. Com uma tesoura em mãos Sabina inicia a briga que vai
terminar com um corte na mão de Jung.
O foco retorna para os
pesquisadores, revelando a descoberta de uma lista contendo os nomes de todas
as crianças que estiveram na Creche Branca, instituição idealizada e dirigida
por Sabina na Rússia.
Voltando a residência de Jung,
o filme mostra o momento no qual Sabina
se anuncia para visitar a esposa de Jung, Emma. Enquanto aguarda Emma na sala
de jantar, Sabina faz contato com o filho mais novo de Jung, que sorri para
ela, enquanto repete para si “reprimir meus sentimentos e ficar amiga da esposa
dele. A cena mostra a moça mexendo no embrulho que carrega, como se tivesse
aperfeiçoando detalhadamente sua aparência, ao mesmo tempo em que repete a
frase para si. Quando a esposa entra no recinto, com passos firmes e postura
segura, Sabina reage com ânsias de
vômito e sai desesperada, tropeça, cai, levanta e corre na chuva, fugindo de
toda a situação. Em seguida, se encontra sem eu banheiro, se encarando no
espelho e se perguntando o que quer. Afirma querer que ele continue a amando,
tem tonturas. A cena seguinte é Sabina dançando ao som de uma valsa, pegando a
pedra que simboliza a alma de Jung e a abraçando enquanto dança.
Voltamos ao presente, quando os
pesquisadores chegam a casa de um possível freqüentador da Creche Branca.
No passado, Sabina se prepara
mentalmente para invadir o ambiente de Jung e se apresentar a todos como sua
amante, deflagrando um escândalo sem precedentes. A mesma cena de fato ocorre
de outra forma, em passos firmes ela invade o ambiente, mas se depara com outra
situação. Encarando um estranho próximo ao Jung e esposa, ela diz: “Eu vim aqui
para humilhá-lo. Agora que estou aqui, tudo que desejo é lhe dizer que sempre
vou te amar. – Jung e esposa voltam a atenção para seu discurso que continua –
Estava a fim de morrer, mas agora quero viver. Graças ao senhor, e isso nunca
me esquecerei”. O homem reage dizendo que ela o está confundindo, e ela
continua: “Eu tenho que ir agora, mas não se preocupe, nunca mais vou
incomodar. E quero que sua esposa saiba que não tenho nada contra ela. Pelo
contrário, tenho certeza que ela deve ser uma pessoa especial, afinal, o senhor
a escolheu. Desejo-lhe toda felicidade do mundo, e para o senhor também.”
Chorando, Sabina beija a mão do estranho e se retira. Jung tenta chamá-la, em
vão.
Enquanto em casa Jung janta em
silêncio junto a esposa em um ambiente formal, o filme volta para Sabina
tocando piano e chorando em sua casa, denotando o momento no qual ela elabora
seu luto. A cena de jantar familiar de Jung é interrompida pelo choro incontido
de Emma, que se retira. O som do piano da outra cena, que foca Sabina, ainda permanece,
quando voltamos para o relato que acontece na Rússia contemporânea. O
entrevistado diz: Na década de 20, Sabina se formou em medicina na Suíça.
Enquanto Lenin ainda estava vivo, ala havia voltado a Moscou com seu marido
Pawel Schaftel, que também era médico e sua filha, Renate. – Cenas da em preto
e branco, originais da Rússia desta década, são mostradas enquanto ele continua
seu relato - A Doutora estava disposta a
dar sua contribuição ao grande sonho dos russos: a revolução. Moscou, naquela
época, era uma cidade iluminada de paixão, com novas idéias. As pessoas saíam
às ruas todos os dias para demonstrar o desejo que tinham por mudanças. O que
procuravam? O paraíso na terra. Era o que Sabina costumava dizer. Ela foi a
primeira a acreditar nessa mudança. – O relato continua enquanto a imagem
mescla cenas preto e branco com a
chegada de Sabina e família á Rússia. – Após a formação em medicina, Sabina se
especializou em psicoterapia, assim se estabeleceu em Moscou. Abriu uma escola
para crianças, que ficou conhecida como creche Branca, porque os móveis eram
brancos. Desde o início, a doutora colocou em prática tudo que sabia sobre
educação infantil. Era uma escola avançada em relação ao seu tempo. Seu lema
era dar as crianças toda liberdade
possível. O currículo consistia em encorajar ao máximo a criatividade das
crianças. Ensinava-lhes música e a explorar o mistério do corpo humano. Um dos
alunos era muito violento e batia sempre nas outras crianças. O menino estava
registrado com um nome falso. Só mais tarde se descobriu que era filho de
Stalim. Nem Sabina sabia quem ele era de fato. – O pesquisador, então, pergunta
se era o mesmo que se tornara militar do exército vermelho e depois alcoólatra,
ao que o senhor responde que sim, era outra vítima de seu pai.
Enquanto o entrevistado se
ausenta por uns instantes, o pesquisador conclui: Sabina se casou alguns anos
depois de ter rompido com Jung. Lá se foi a teoria de amor eterno, afirma ele.
E a pesquisadora responde, ela queria viver de amor e não morrer dele. Mas,
nunca o esqueceu. Voltamos à cena da época, Sabina e filha caminham na neve, enquanto
a carta que escreveu para Jung é lida: Querido
amigo, quando deixei a Rússia ela estava um caos. Quando voltei, encontrei a
revolução. Será uma dura tarefa para Lenin, transformar este país quase
analfabeto numa democracia moderna. Mas parece que todos estão arregaçando as
mangas e vou tentar fazer minha parte.
Pela primeira vez, uma psicanalista é encarregada de uma escola infantil. Quero
provar que, ensinando desde o inicio a liberdade a uma criança ela será
verdadeiramente livre. É pedir muito, eu sei e não será fácil, mas isso me
apaixona. Noites atrás, sonhei que era um cavalo galopando por uma planície
infindável. Talvez explique o que é a minha vida: uma planície infindável. Está
ficando tarde e não consigo manter os olhos abertos. Tudo de bom, A guardiã de
sua alma.
Retornamos ao relato do
entrevistado, enquanto a cena é mostrada: Sabina
era mesmo extraordinária. Ela sempre tinha tempo para as crianças com problemas
especiais. Havia um garotinho lá que ficava o dia todo sob uma mesa, com os
olhos fechados, e as mãos fechadas com tanta força que parecia que seus dedos
eram colados. Toda manhã, Sabina pensava num modo de tirá-lo de seu isolamento.
Ela não desistia, mas por mais que tentasse era impossível separar aquelas
mãos. Então, um dia, Sabina teve uma idéia genial.
A cena a seguir mostra Sabina ao
lado do menino, com as mãos idênticas – bela ilustração do estar com –
assistindo o macaco que acabava de sair da jaula se dirigir ao piano e produzir
sons. Ambos se olham e sorriem. O entrevistado volta a relatar, enquanto a cena
se desdobra: Aquele garotinho era eu.
Minhas mãos pareciam estar derretendo. Pela primeira vez na minha vida eu
sorri. – Enquanto a cena mostra ambos se abraçando e as crianças
aplaudindo, ele diz: jamais esquecerei
que a doutora fez por mim. Dentro da creche Branca éramos todos felizes. Mas
fora, após a morte de Lenin, o país começou a desmoronar.
Em seguida acompanhamos Sabina
caminhando e as palavras de outra carta para Jung, onde diz: Meu caro amigo, eu deveria estar muito feliz
hoje, pois é aniversário da minha filha e meu livro de ensaios vai ser
publicado. Mas não tenho vontade de comemorar. Nosso grande poeta Maiakovski
morreu. Acidente ou assassinato? No rádio, Stalin disse que ele se suicidou e
agora essa é a versão oficial. Será que um dia saberemos a verdade? A cada dia
que passa, a escuridão é mais avassaladora. Penetra no nosso íntimo e planta
semente de terror. Entre cenas de Sabina, ora tocando piano, ora escrevendo
a carta, vemos Jung remando um pequeno barco no lago, refletindo as palavras da
amada: No mês passado, meus pais foram
presos sem nem saber por quê. A verdade é que ninguém ousa dizer em voz alta
que um doente mental nos governa. Lembra-se daquela frase de Arthur Schmitzler
o escritor austríaco? – Jung acompanha com o olhar cães de caça seguindo
uma presa em potencial, ela continua –
“Deus o criou para ser um herói, mas o rumo dos acontecimentos o transformou
num idiota”. Pobre Deus! Stalin é louco! Isso foi atestado por seu próprio
médico, um colega do meu marido, que morreu logo depois de ter comido bolo numa
cafeteria do Bolshoi!
Da cena de Jung no lago, somos
levados a creche banca, no momento que Sabina está orientando uma criança e
recebe um recado de uma funcionária. Na outra sala, um militar que a aguardava,
com um impresso em mãos pergunta:
Camarada Spielrein, isto é seu, suponho. – retirando um papel de dentro do
livro, indica: Assine aqui, para negar
sua autoria! Publicou sem permissão do partido e o partido não gosta do que
escreveu. – Sabina pergunta: A que o
partido faz objeções? – ele responde: Suas
teorias sobre liberdade de pensamento e liberação sexual para crianças são
provocadoras e contrárias aos princípios marxista-leninistas. Sem falar no que
escreveu sobre o carro! O carro é o símbolo da decadência capitalista. – Mas
até Maiakovski tinha um carro. –Se eu fosse Maiakovski, teria tido muito mais
cuidado para não sofrer um acidente. – O militar, então, arranca folhas de
seu livro, e a aconselha a obedecer, indicando onde tem que assinar. Em
resposta, Sabina rasga o documento, o amassa e joga no chão. O militar a
esbofeteia e ela cita, dizendo: “Mesmo
que me mate, mesmo que me enterre, eu me levantarei de novo”. Maiakovski,
camarada Zorin. Então, o militar ordena: Procedam! Os militares iniciam um
processo de destruição de tudo que tem na escola.
Na contemporaneidade, os
pesquisadores chegam ao local onde tinha sido a creche Branca. Em contraste com
o prédio em ruínas, do outro lado da rua uma danceteria com letras em neon e
prostitutas na calçada com seios a amostra. Em seguida, ambos seguem para
biblioteca local, e depois se despedem
no hotel.
A paisagem de Moscou e o caminhar do repórter através da noite
trazem em off a voz de Sabina: Anjo da
guarda. Agora, a psicanálise também foi oficialmente banida. É proibido tratar
pacientes, escrever sobre o assunto e até falar nisso. Convenci meu marido a
voltar à Suíça, para curar seu peito. Hoje, minha filha e eu vamos partir para
Rostov, onde nasci. Espero abrir uma creche clandestina lá. Não há notícias no
rádio, mas todo mundo diz que os alemães invadiram a Rússia e o exército
vermelho está se retirando. Deus queira que os nazistas não cheguem a Rostov.
Nós judeus seremos os primeiros a sofrer se eles forem lá. Contudo, eu tenho fé
no futuro, sou a mesma sonhadora de sempre. Se eu não continuar sonhando, que
sentido terá minha vida?
Enquanto a pesquisadora lê
finaliza a leitura da carta, vemos Sabina desembarcar com a família do trem, em
uma cidade que está sendo bombardeada. Os nazistas chegam e os judeus fogem,
por todos os lados nazistas que os cercam.
Enquanto Richard, o pesquisador,
acorda no hotel procurando Marie, vamos acompanhando a cena dela desembarcando
de um trem, e, seu recado na secretária:
Richard, passei para vê-lo antes de ir embora. Estranho, sabemos tudo sobre
Sabina e tão pouco um sobre o outro. Há um poema de Pasternak que diz:”Quando
você não pode olhar dentro da alma de alguém, tente ir embora e depois voltar”.
Eu não fugi, mas queria estar sozinha em meu último encontro com Sabina.
Voltamos ás cenas históricas, quando os judeus são aglomerados pelos
nazistas em uma igreja. Corta para o presente e Marie chega a mesma igreja,
abraça o diário de Sabina e depois o coloca no móvel da igreja. Em off,
escutamos a voz de Sabina: Meu nome era Sabina Spielrein. Quando eu morrer,
quero que o Dr. Jung receba minha cabeça. Só ele pode abri-la e dissecá-la,
Quero que meu corpo seja cremado e minhas cinzas, espalhadas sob um carvalho,
com os dizeres: ‘Eu também era um ser humano’. Enquanto Marie retorna ao trem
com lágrimas nos olhos, a cena de Sabina cantando e tocando com as crianças, a
mesma música que dançava e cantava
outrora no hospital é exibida com os seguintes dizeres: Sabina e sua filha
foram mortas pelos nazistas em 1942, em Rostov. Só recentemente, o valor de sua obra foi reconhecido. Assim como
sua influência sob Jung e Freud. Ivan Ionov é o último sobrevivente das
crianças da creche branca, tem 84 anos e guarda uma foto de Sabina na cabeceira
de sua cama.
UM MÉTODO PERIGOSO
O filme começa com Sabina
resistindo ao processo de internação, quando aos gritos é levada ao Hospital.
No dia seguinte, Jung se apresenta como aquele que a admitiu na véspera, em
seguida propõe que se encontrem todos os dias, em torno de até duas horas, para
simplesmente falarem, tentando assim buscar a causa de suas perturbações.
Importante ressaltar que aqui ele indica que estará sentado atrás dela, sem
contato visual, para que não haja distração durante seu relato. (Curiosa a
forma com que indica a necessidade de Sabina não olhar para trás em hipótese
alguma, postura que me parece muito mais de Freud do que de Jung).
O diretor escolhe dar ênfase as
expressões de Sabina para indicar suas perturbações. Dr. Jung se revela mais
diretivo, ao iniciar o a primeira sessão com a pergunta: “Você tem alguma idéia
do que pode ter provocado os seus ataques?” Imediatamente Sabina inicia um
relato, pronunciando com extrema dificuldade a palavra “humilhação”. Ela
continua, ainda com dificuldade na expressão, se contorcendo e apresentando distorção
no rosto e nos lábios enquanto fala: Qualquer
tipo de humilhação. Não suporto ver
isso e me dá náuseas. Começo a suar, a suar frio. Meu pai perde a cabeça o
tempo todo. Ele está sempre zangado comigo...Uma pausa faz com que Jung
pergunte: Quando você parou de falar,
agora, você pensou em algo?
– Eu não sei, ela responde.
- Ou uma
imagem, talvez – insiste Jung: Foi
uma imagem?
– Sim, sim.
– E qual era
a imagem?
Com as mãos
nas próprias costas, se contorcendo,
Sabina responde:
- Era uma
mão. A mão do meu pai.
- Por que
acha que viu isso?
Olhando as próprias mãos, Sabina responde:
- Sempre que
ele iria... Depois... sempre que ele... nos batia... depois nós tínhamos que
beijar as mãos dele ( fala fitando as mãos).
Agora na sala de jantar com a esposa, Jung comenta:
Curioso, aquele caso que eu estava
escrevendo semana passada. Usei o pseudônimo de ’Sabina S.’ E aqui está ela,
Sabina Spielrein.
- Uma
coincidência e tanto, retruca a esposa.
- Como sabe,
não acredito em coincidência.
- Spielrein
não é um nome muito russo.
- Não, judeu.
O pai dela é um empresário bem sucedido. E, ela é excepcionalmente bem educada,
fala alemão fluentemente. Ela, aparentemente, deseja ser médica.
- Talvez seja
ela.
- Ela o quê?
- A que você
procura para seu tratamento experimental: ‘A cura pela fala’.
- Você é tão perspicaz. Eu já comecei com ela.
A esposa Emma se aproxima do marido e coloca as
mãos dele em sua barriga, enquanto comenta:
- Ele está
chutando...
- Sim, olha
ele... O que não entendo é por que Freud propôs essa idéia terapêutica radical,
essa cura pela fala, essa psicanálise, e então deixa os anos passar sem dar
sequer um esboço mais básico de seus procedimentos clínicos? Qual é o plano
dele?
-
Provavelmente ele usa o método nos pacientes dele?
- Não tenho
idéia.
- Então, você
pode ser o primeiro médico a usá-lo?
- É possível.
- Por que não
escreve Para ele e pergunta?
- Eu não o
conheço. Acontece que a mãe da Srta. Spielrein queria que Freud a tratasse.
- Outra
coincidência.
A próxima cena mostra Jung e Sabina caminhando nos
jardins do hospital e conversando.
- Meu pai
acha que a minha mãe não o ama, diz Sabina. E ele está certo.
- Como você
sabe?
- Meu anjo me
contou.
- Que anjo?
- Uma voz
interior. Ele costumava dizer que eu era uma pessoa excepcional. Por algum
motivo ele sempre falava em alemão.
- Anjos
sempre falam em alemão, é tradicional.
- Ele me deu
o poder de saber o que as pessoa dirão antes delas abrirem a boca.
- Habilidade
útil para uma médica. Você deseja ser médica um dia, não é?
Com expressão de raiva, Sabina responde: Nunca serei médica.
- Por que
não?
Ele a deixa perplexa e prossegue na caminhada,
avisando:
-Tenho que me
ausentar por um tempo. Sinto muito, nós
acabamos de começar. Serviço militar. É obrigatório. É só por umas semanas.
- É uma perda
de tempo! – Grita ela, enquanto corre desesperada, se vira e joga o casaco
no chão, falando: Não posso dizer o que
deseja saber!Você só está me deixando com raiva! E mesmo se eu pudesse dizer,
você se arrependeria... enfim. Não há nada de errado comigo e nem quero
melhorar.
Jung recolhe o casaco do chão, e bate nele na
tentativa de limpar a poeira. Sabina reage chocada, gritando para ele parar.
- O quê? Só
estava limpando... Ela corre em direção a ele gritando: Você vai parar com isso! Arrancando o
casaco da mão dele, ela se volta a se contorcer. Ele pede desculpas. Ela,
visivelmente abalada, enrola o casaco, apertando-o na contra seu ventre e fala:
podemos voltar agora?
- Sim, se
você quiser.
- Sim, eu
preciso voltar.
No quarto do casal, Jung comenta com a esposa,
enquanto faz suas malas:
- É um
desperdício do meu tempo. Escrever prescrições para pé de atleta e examinar
pênis da manhã até a noite.
- É isso que
você faz? Pergunta a esposa.
- Isso não é
bom para mim, Não é bom para meus pacientes
Ao entrar no quarto de Sabina, a irmã a encontra
brincando com a comida, retira suas mãos do prato e fala:
- Você está
brincando com a comida.
- Não estou
com fome.
- É mesmo?
Continua a enfermeira a encarando nos olhos. Terei que contar ao professor Bleuler.
Rindo, Sabrina a encara e diz: Faça o que quiser.
Professor Bleuler acompanha a irmã até o quarto de
Sabina, mas não a encontra lá.
Em seguida, o professor segue rumo ao lago do
hospital, onde encontra Sabina, rodeada de funcionários que tentam a tirar do
lago, às gargalhadas, jogando água em todos.
-Srta.
- Senhor
Diretor.
- Parece que
você tem muito tempo ocioso. Acredito que nossos pacientes devem se envolver em
trabalhos produtivos. Quais são seus interesses?
- Suicídio.
Viagens interplanetárias.
- Quando Dr.
Jung retornar, pedirei a ele para discutir tudo isso com você em mais detalhes.
- Mantenha-o
longe de mim. Nunca mais quero vê-lo.
Na cena seguinte, Sabina é levada pelas enfermeiras
para a banheira, onde ainda que resistindo, é contida limpa com esponjas.
Jung encontra Sabina deitada em seu quarto, onde
entra dizendo:
- Estou de
volta, como tem passado? Se aproximando e ignorando seu silêncio, ele
continua:
- Falei com o
Senhor diretor sobre achar um trabalho para você. Eu disse que você sempre se
interessou por medicina. Ele sugeriu que você me ajudasse na minha pesquisa. Finalmente.
Ela mostra algum sinal, se voltando em direção ao médico, que continua: Estamos com poucas pessoas, então seria de
grande ajuda.
Dando-lhe as costas, Sabina esboça um sorriso.
Jung molha as esponjas e as usa para umedecer o
local que a testada colocará as mãos. A esposa tira a aliança e coloca as mãos
no local indicado. Cobrindo as mãos da esposa com uma espécie de pequenos
travesseiros, Jung dá corda e prepara sei invento para registrar as alterações.
Ele senta-se com um cronometro às mãos para registrar o tempo de resposta,
enquanto Sabina dá conta do aparelho de registro. Então, ele começa o teste, a
cada palavra que ele fala, a esposa tem que responder com outra que lhe vier a
cabeça.
Viena/floresta
-caixa/
cama/dinheiro/banco/criança/em breve/família.... / unida – Sexo/... masculino/ parede/flor/jovem/bebê/pergunta/resposta/proteção/vestir/teimoso/ceder/tristesa/.............
criança/fama/ Doutor/divórcio/.... não.
- Obrigado.
- é só isso?
- Só isso.
- Como eu
fui?
- Lindamente.
A esposa se despede, retirando-se, Jung e Sabina
iniciam a discussão sobre o teste.
Ao ser provocada, Sabina
apresenta suas considerações sobre o teste, já delineando seu futuro promissor.
- O que se
destaca na mente dela é a gravidez. E ela está um pouco... qual é a palavra?
- Por que não
usamos uma palavra útil inventada pelo Sr. Diretor? Ambivalente.
- Sim. Sobre
o bebê.
- Algo mais?
- Eu diria
que ela pode esta preocupada que o marido possa estar perdendo o interesse por
ela.
- O que a faz
pensar nisso?
- Reações
longas às palavras “família” e “divórcio”.
- Entendo.
- Quando
disse ‘proteção’. Ela respondeu ‘vestir’. Pode ser uma referência à
contracepção?
- Você tem
jeito para isso.
- Posso
perguntar-lhe algo?
- Claro.
- Ela é sua
esposa?
Jung entra no quarto e admira a ama de leite
amamentando seu novo filho. A esposa, no leito bordando, pede desculpas. Jung
indaga porque e ela responde que tinha prometido um filho no dia de natal e ela
está aqui um dia atrasada e do sexo errado. Jung senta-se na cama e diz:
Não seja absurda, beija sua testa em seguida, falando:
“A” de Agatha. Ela responde, na próxima vez, vou dar-lhe um menino.
Sessão, ela de costas, relatando o motivo de sua dificuldade em
dormir. “Estou com medo, tem algo no
quarto. Algo como... um gato, só que
fala. Vai para cama comigo. Na última ... última noite, sussurrou algo no meu
ouvido. Não consegui ouvir o quê. Mas, então... Quanto mais se aproxima de
seus conflitos, mas se contorce e altera sua fala. A dificuldade de continuar é
visível, pausa, esforço enorme, para dizer: Senti
nas minhas costas, algo pegajoso,
como... Como um molusco se movendo nas minhas costas, as quando eu virei... não
tinha nada.
Jung, então, pergunta se ela sentiu nas costas, ela confirma. Ele
pergunta se estava nua, ela responde que sim. Ele pergunta se estava se
masturbando. Com dificuldade e vergonha ela afirma e ele pede para que ela fale
sobre a primeira vez que seu pai lhe bateu
. Ele, então, retorna a primeira vez que seu pai lhe bateu, provocando
contato com o momento.
- Acho que eu tinha uns 4 anos, eu
tinha quebrado um prato, ou algo assim. Sim... Ele me disse para ir ao
quartinho e tirar a roupa. Então...ele entrou, ... e me bateu. E depois...Eu estava tão
apavorada que me molhei, então, ele me bateu de novo. E depois eu...
- Nessa primeira vez, como se
sentiu?
- Eu gostei..
- Pode repetir, por favor? Não
ouvi direito.
- Eu gostei (com as mãos
alisando as costas e movimentando a outra mão, continuou). Me excitou.. Eu
tinha que descer, e...
- E você continuou a gostar?
Colocando as mãos na cabeça, ela responde:
- SIM! Sim. Depois, ele só
precisava me mandar para o quartinho e eu começava a ficar molhada. Quando eram
meus irmãos ou mesmo ameaçava que... era suficiente. Queria me deitar e me
tocar. Mais tarde, na escola, qualquer coisa...despertava, qualquer tipo de
humilhação. Eu procurava por qualquer tipo de humilhação. Até aqui, quando
bateu no meu casaco com sua bengala. Tive que voltar direto, eu estava tão
excitada... Não tem... Não tem esperança para mim. Sou desprezível, nojenta,
corrompida. Eu devo... Nunca devo ser tirada daqui.
Dois anos depois, Jung chega com
a esposa a Viena, para visitar Freud.
- É muito bom, finalmente, lhe
conhecer, diz Freud ao recebê-lo.
- Professor Freud.
- Você é bem vinda (Freud beija a mão da
esposa). Por favor, entrem.
Na mesa de jantar, Jung e Freud conversam à mesa, enquanto as famílias
jantam:
- Talvez os termos devessem ser
revisados. Se, por exemplo, conseguíssemos chegar a um termo mais leve que
‘libido’, podemos encontrar menos resistência emocional. Diz Jung, enquanto
se serve.
- Eufemismo é uma boa idéia?
Quando descobrirem o significado será tão apelativo quanto.
- Entendo, mas ainda assim eu
acho que vale a pena tentar para amenizar quando se trata de questões da
sexualidade.
- E, aliás, não sinta-se reprimido
aqui. Minha família está acostumada aos temas mais inadequados em uma refeição.
(Jung levanta a cabeça, e encontra toda a família de Freud o olhando. Ainda
sem graça, Jung continua...
- Tenho vários exemplos clínicos
que corroboram minha posição quanto à sexualidade.
Já em seu escritório, Freud pergunta:
- E como vai sua paciente russa?
- Como eu lhe disse, após a
primeira catarse houve uma grande melhora. Até a matriculamos na faculdade de
medicina onde ela sai extremamente bem. Ela é uma propaganda ambulante para
eficácia da “psico análise”.
- Psicanálise, é o mais lógico e
soa melhor.
- Se você diz.
- Você ainda trata dela?
- Sim, e continuamos a descobrir
material novo. Por exemplo, o magnífico comportamento que ela desenvolveu
quando criança, onde ela agacha-se, tenta defecar e, ao mesmo tempo, tenta
evitar defecar. Ela disse que isso causou sentimentos de prazer.
- Boa história. Meus pacientes
que permanecem fixados à fase anal do desenvolvimento erótico, muitas vezes
relatam sentimentos de prazer. E, é claro, todos eles são meticulosos,
compulsivamente organizados, teimosos e muito mesquinhos com relação ao
dinheiro. Sem dúvida a sua russa está de acordo com este padrão.
- Não, ela não está. O aspecto
masoquista do estado dela está muito mais enraizado do que qualquer fixação
anal que tenhamos descoberto.
- Os dois estão intimamente
conectados?
- Só posso lhe dizer que ela é
muito desorganizada, emocionalmente generosa e excepcionalmente idealista.
- Bem, talvez seja algo típico
dos russos.
- Ela é virgem?
- Sim, com certeza, Quase certo.
Não, com certeza.
Em outro ambiente, Freud inicia o diálogo:
- Acho que eu você não tem noção
da grande força e profunda oposição ao nosso trabalho. Há toda uma classe
médica inflexível, é claro, ladrando para enviar Freud à humilhação pública.
Mas isso não é nada comparado ao que acontece quando nossas idéias começam a
chegar de forma deturpada ao público. As negações, o frenesi, a raiva
incoerente.
- Mas isso não pode ser causado
por sua insistência na interpretação exclusivamente sexual do material clínico?
- Tudo que faço é apontar qual
experiência me indica o que deve ser a verdade. E posso lhe assegurar que em
100 anos, nosso trabalho ainda será rejeitado. Colombo não tinha idéia de que
país tinha descoberto. Como ele, estou nas trevas. Tudo que sei é que pisei na
terra e o país existe.
- Penso em você mais como
Galileu. E seus inimigos, como aqueles que o condenaram, enquanto rejeitam
colocar os olhos no telescópio dele.
- Em qualquer dos casos, eu
apenas abri a porta. Para jovens como você passarem por ela.
- Estou certo que há mais portas
para você abrir para nós.
- É claro que, quanto mais
dificuldades, mais munição para nossos inimigos, que todos nós aqui em Viena,
em nosso círculo psicanalítico, são judeus.
- Não vejo que diferença isso
faz.
- Isso, se posso dizer, é uma
perfeita observação protestante.
Eles continuam a conversar, agora no escritório/consultório de Freud.
Jung inicia o relato de seu sonho:
- Eu sonhei, sonhei com um
cavalo sendo içado por cabos a uma considerável altura. De repente, um cabo
quebra e o cavalo é lançado ao chão. Mas ele não se machuca. Ele dá um salto e
sai galopando, impedido apenas por um tronco pesado que ele arrasta pelo chão.
Então um cavaleiro em um cavalo menor, aparece na frente dele, para forçá-lo a
desacelerar. E uma carruagem aparece na frente do cavalo menor, para que o
nosso cavalo seja forçado a diminuir ainda mais.
- Imagino que o cavalo seja
você.
- Sim...
- Sua ambição tem sido frustrada
de alguma forma.
- O cavaleiro me diminuía.
- Sim.
- Acho que poderia se referir a
primeira gravidez da minha esposa. Desisti de uma chance de ir a América por
isso. A carruagem em gente talvez seja uma alusão ao temor de nossas duas
filhas, e de outros filhos que talvez ainda venham, impedirão meu progresso
ainda mais.
- Como pai de seis, posso
garantir isso. Sem mencionar a inevitável dificuldade financeira.
- Não, felizmente, minha esposa
é extremamente rica.
- Sim, isso que é sorte.
Pausa na qual Freud fuma seu charuto, bebe um gole do drink em mãos e
diz..
- Esse peso...
- Sim?
- Acho que deva cogitar a idéia
que ele represente o pênis.
- Sim... Responde Jung,
pensativo. Neste caso o que pode estar em
questão é que certa contenção sexual tem sido provocada por um medo de
sucessões de gravidez.
- Devo falar que se um paciente
meu trouxesse este sonho eu poderia dizer
que o número de contenções, envolvendo esse infeliz cavalo, pudesse talvez
apontar para determinada repressão de algum desejo sexualmente incontrolável.
- Sim, (Jung acende o cachimbo)
Há isso também.
- Me pergunto se está ciente do
fato de que nossa conversa até agora durou... (vira o relógio, apontando-o)...
13 horas.
- me desculpe. Não fazia idéia.
- Meu querido jovem colega, por
favor, não se desculpe. Foi o nosso primeiro encontro, tínhamos muito o que
dizer um ao outro. A menos que eu esteja muito errado, sempre seremos.
A cena seguinte é Jung e Sabina caminhando no passeio público, quando
Jung diz:
- Terei que ser extremamente
cauteloso.
- O que quer dizer? Por quê?
- Ele é tão persuasivo, tão
convincente. Te faz senti que deve abandonar suas idéias e simplesmente seguir
as dele. Os seguidores dele em Viena são todos sem expressão. Um bando de
boêmios e degenerados pegando as migalhas da mesa dele.
- Talvez ele alcançou um nível
onde a obediência é mais importante para ele do que a originalidade.
- Tentei confrontá-lo sobre a
obsessão dele com a sexualidade, a insistência dele em interpretar todos os
sintomas em termos sexuais. Mas ele é completamente inflexível.
- No meu caso, é claro que ele
poderia estar certo.
Sim, como seria de esperar que ele
esteja certo em muitos casos. Possivelmente até na maioria dos casos... Pode
haver mais de um fator. A sexualidade é apenas um deles.
Agora em um barco, Sabina inicia o diálogo com Jung:
- Você gosta de Wagner?
- Da música e do homem, sim.
- Estou muito interessada no
mito de Siegfried. A idéia de que algo puro e heróico possa vir... possa talvez
vir somente do pecado, até mesmo de um pecado tão sombrio como incesto.
- Isto é muito estranho.
- O quê?
- Como eu lhe disse, não
acredito em coincidências. Creio que nada acontece por acaso. Todas estas
coisas tem um significado. O fato é que estou escrevendo algo – sobre o mito de
siegfried.
- É sério?
- Eu lhe garanto.
- Qual é a sua ópera favorita?
- Das Rheingold.
- Sim, isso mesmo. A minha também.
(pausa) Posso lhe perguntar algo?
- claro.
- Você acha que há alguma
possibilidade que eu possa ser uma psiquiatra?
- Eu sei que você pode. Só ouço
bons relatos sobre o seu trabalho na universidade. Você é exatamente o tipo de
pessoa que precisamos.
- Insana, você quer dizer?
(risos, ambos)
- Sim. Nós, médicos sadios,
temos sérias limitações.
Do foco em um homem chegando com malas, passamos a cena de Freud
escrevendo uma carta, que diz:
Querido amigo, sinto que posso,
finalmente, dirigir-me de modo informal, ao pedir-lhe que conceda esse favor
especial. Dr. Otto Gross, brilhante mas de caráter duvidoso,- O mesmo homem
é mostrado cheirando cocaína -, está
urgentemente precisando da sua ajuda. Além de você, eu considero o dr. Gross o
único homem capaz de contribuir imensamente em nosso campo. (O homem após
cheirar o pó, recolhe as malas e se dirige ao prédio). O que quer que faça, não deixe-o sair antes de outubro, que é quando
serei capaz de assumir o tratamento dele. E lembre-se do aviso do pai dele de
quando Otto era pequeno: ‘cuidado, ele morde’.
Jung dialoga com o Otto em seu consultório, enquanto fuma seu
cachimbo, pergunta:
- Você ainda se sente ameaçado
pelos eu pai?
- Qualquer um que seja racional,
diz Otto, sente-se ameaçado por meu pai. Ele é extremamente ameaçador.
- Ele quer vê-lo internado. Você
não acha que isso demonstra preocupação com seu bem-estar?
- Veja bem – diz Otto,
enquanto retira algo da gaveta de Jung, cheirando – o que é que um velho patriarca normal quer no fim da vida? ( devolve
para a gaveta e pega outro frasco, uma pequena garrafa que guarda dentro do
casaco). - Netas e netos, correto? E
ainda assim, no último verão, quando eu o presenteei não com um, mas com dois pequenos Grosses, um da minha
esposa, um de uma das minhas mais respeitadas amantes, ele ficou agradecido?
(continua explorando os objetos da sala). E agora, que tem outro a caminho, ele
está histérico. E tudo que ele consegue pensar é em me trancar em um hospício.
Você tem filhos?
- Duas meninas.
- Da mesma mãe?
- Sim. ... então, você não
acredita em monogamia?
- Para um neurótico como eu, não
consigo pensar um conceito mais estressante.
- E você não acha necessário ou
desejável, exercer algum controle como contribuição, digamos, para atenuar o
funcionamento da civilização.
- O quê? E fazer mal a mim
mesmo?
- Eu pensava que qualquer forma
de repressão sexual deveria ser praticada em qualquer sociedade racional.
- Não me admira que o número de
hospitais cresça aos montes. Diga-me, você acha que a melhor maneira de
aumentar sua popularidade com os pacientes é dizer o que quer que eles queiram
ouvir?
- Que diferença faz, ser popular
ou não?
- Bem, eu não sei. Suponha que
você queira transar com eles. Se tem uma coisa que aprendi na minha curta vida
é: nunca reprima nada!
Enquanto toca Wagner, a
platéia esboça reações que Sabina registra e Jung observa, tanto a platéia,
quanto Sabina.
Sentado com Jung, Otto pergunta:
- Então, você nunca dormiu com
nenhuma de suas pacientes?
- Claro que não, responde Jung
indignado: Eu tenho que passar pelas tentações de transfrência e
contratransferência, e essa é uma etapa do processo.
- Quando a transferência ocorre,
quando a paciente está obcecada por mim, eu explico a ela que isso é meramente
um símbolo dos deploráveis hábitos monogâmicos dela. Eu asseguro a ela que é
normal querer dormir comigo, mas apenas, se ao mesmo tempo, ela admitir para si
mesma que quer dormir com muitas outras pessoas.
- Suponha que ela não queira?
- Então, é meu trabalho
convencê-la que isso faz parte da doença. É assim que as pessoas são; se não
dissermos a verdade, quem dirá?
- Você acha que Freud está
certo? Você acha que toda neurose é de fundo exclusivamente sexual?
- Eu acho que a obsessão de
Freud com o sexo, provavelmente, tem uma ligação muito forte com o fato de ele
nunca transar.
- Você pode estar certo (rindo e
acendendo um cachimbo).
- Parece-me uma maneira de
mensurar a verdadeira perversidade da raça humana, que uma das poucas
atividades seguramente prazerosas, seja objeto de tanta histeria e repressão.
- Mas não reprimir-se significa
liberar todo tipo de forças perigosas e destrutivas.
- Nosso trabalho é fazer com que
os pacientes sejam capazes de se libertar.
- Ouvi dizer que você ajudou um
dos seus pacientes a se matar.
- Ela era visivelmente suicida.
Eu só expliquei como ela poderia fazer sem estragar tudo. Depois perguntei se
ela não preferia tornar-se minha amante. (diante de Jung atônito, continua)-
Ela optou pelos dois.
- Isso não pode ser o que
queremos para nossos pacientes.
- Liberdade é liberdade.
Sentados em um banco ao ar livre, Sabina fala para Jung:
- Eu tenho pensado sobre a ópera
de Wagner. Nela, ele diz que a perfeição só pode ser conquistada através do que
é convencionalmente pensado como pecado, certo? O que certamente tem a ver com
a energia criada pelo atrito entre os opostos. Não apenas pelo fato de você ser
médico e eu paciente, ou de você ser suíço e eu russa, eu ser judia e você
ariano e várias outras diferenças obscuras.
- Obscuras?
- Se eu estiver certa, apenas o
choque entre forças destrutivas pode criar algo novo. Quando meu pai me trouxe
até você, eu estava doente e minha doença era sexual. Está claro que o meu
objeto de estudo está inteiramente fincado na sexualidade. Naturalmente, eu
estou me tornando cada vez mais consciente do fato de que eu não tenho
experiências sexuais.
- Não se espera que estudantes
de direito roubem bancos.
Sabina se frustra, mas em seguida o beija na boca, Jung perplexo fala:
- Normalmente é o homem quem
toma a iniciativa.
- Não acha que tem algo de
masculino em toda mulher, e de feminino em todo homem? Ou deveria ter?
- Talvez (a olhando nos olhos).
Acho que você está certa, sim.
- Se você quiser tomar a
iniciativa, eu moro naquele prédio ali, na janela com sacada – se retira
recolhendo suas coisas e o deixando reflexivo.
Otto pergunta o Jung no jardim do hospital:
- Não entendo o que você está
esperando. Apenas leve-a para um lugar isolado e transe até o último suspiro
dela.
- Claramente é isto que ela
quer.
- Como você pode negar-lhe esse
prazer tão singelo?
- Prazer nunca é simples, como
você bem sabe.
- É sim. Claro que é. Até
decidirmos complicá-lo. É o que meu pai chama de maturidade.O que eu chamo de
rendição.
- Rendição, para mim, seria
ceder a esses desejos.
- Então renda-se. Não importa
como você chama, contanto que não deixe a experiência escapar. Esta é minha
prescrição.
- Eu é que deveria estar
tratando você.
- E tem sido muito eficaz (Jung
sorri).
- Eu diria que a análise não
está muito longe do fim.
- A minha, sim. Não tenho tanta
certeza quanto a sua.
- Tenho passado tanto tempo com
ele que tenho medo de estar negligenciando alguns dos meus outros pacientes –
diz Jung para Sabina. Ele é imensamente sedutor, tenho quase certeza de que ele
está certo, e obsessivamente neurótico. Muito perigoso, na verdade.
- Você quer dizer que duvida dos
seus poderes para convencê-lo?
- Pior que isso. O que tenho
medo é do poder dele de me convencer. Na questão da monogamia, por exemplo, por
que deveríamos colocar tanto esforço para reprimir nossos instintos mais
básicos?
- Eu não sei. Diga-me você.
Otto alisa os seios da enfermeira, a beija na orelha e agradece,
enquanto segura a escada
- Muito obrigado – diz ele,
enquanto coloca a escada no muro do hospital se despede e foge.
Jung entra no quarto que Otto ocupava e observa seus desenhos, até
encontrar uma carta endereçada a ele e ler:
Dr. Jung, fique tranqüilo que
graças a você, eu estou vivo e saudável. Mas, por favor, seja bondoso em dizer
a meu pai que estou morto. E o que quer que faça, não passe pelo oásis sem
parar para beber. Otto – Jung fica
refletindo.
Na cena seguinte Jung chega ao apartamento de Sabina. Ela, antes na
escrivaninha escrevendo, interrompe, se levanta e pergunta:
- Quem é?
- Um amigo. (reconhecendo a voz
de Jung, Sabina vai abrir a porta sorrindo com os olhos)
- Entre.
Jung já entra beijando-a. É correspondido. Eles fazem amor e Sabina constata que perdeu a
virgindade, ao tocar o tecido com sangue e sorri.
Na cena seguinte, Jung e a esposa estão em frente a nova casa a
esposa. Que gosta e comenta:
- Sinto como se sempre tivesse
morado aqui.
- Dizem que podemos mudar até o
final de semana.
- Desculpe-me por estar assim
novamente.
- O que quer dizer?
- Gorda e feia (grávida).
- Não seja ridícula.
- Acho que você gostaria de ser
polígamo, como Otto Gross.
- Se eu fosse, seria algo
diferente do que nós temos, que é sagrado. Eu teria que ter certeza de que
você entendeu.
- Eu não iria querer saber nada
sobre isso. Eu tenho uma surpresa para você. (levando-o para o cais, no quintal
da casa, ela aponta o barco). O barco que você sempre quis com velas vermelhas.
- Obrigado. Obrigado por tudo
isso.
- Você é um bom homem. Merece
tudo de melhor.
Jung é recebido com beijos e abraços na casa de Sabina. Ele a afasta,
dizendo:
- Se eu disser algo, promete não
entender erroneamente?
- O quê?
- Não acha que devemos
parar...agora? Sou casado. Obviamente, tenho sido desleal. Seria correto
perpetuar esta deslealdade?
- Você quer parar?
- Claro que não.
- Quando faz amor com sua
mulher, como é? (se aproximando, encarando-o nos olhos). Descreva para mim
(agachando a frente dele).
- Quando se mora sob o mesmo
teto. Torna-se um hábito. Você sabe, é sempre gentil.
- Então isso é outra coisa.
Outra coisa em outro país. (Enquanto toca os dedos de Jung) comigo, quero que
você seja cruel. Quero que você me puna (encarando-o).
A ama chega com o bebê, entregando-o a Emma, que o balança e fala para
Jung, que entra no quarto:
- Eu sabia que seria um menino
agora. Eu lhe disse.
- Acreditei em você.
- Você voltará para nós, agora?
Sabina aguarda na margem do lago, Jung se aproxima no barco. Ambos
namoram no mesmo.
Freud fala para Jung, enquanto caminham:
- Eu nunca deveria ter indicado
o Dr. Gross a você. Culpo-me disso.
- Não, estou muito agradecido
por tê-lo feito. Os debates acalorados ajudaram a cristalizar meu pensamento.
- Ele realmente mandou-lhe a
conta dele do hotel?
- Somente por duas noites.
- Ele é um viciado, posso ver
isso agora. Ele acabará causando um grande dano ao nosso movimento. Você
percebe que isso o torna, indiscutivelmente, O sucessor, não é? Meu “filho” e
herdeiro.
- Não estou certo de merecer tal
louvor.
- Não diga mais nada. – Pausa na
caminhada - Geralmente caminho até aqui, Inspira minhas as melhores idéias.
Agora no ambiente fechado, Fred diz:
- Não pense que tenho a mente
fechada. Não faço qualquer objeção por estudar telepatia ou parapsicologia para
o seu prazer. Mas preciso dizer que esse campo é tão combatido que é perigoso
ser confundido com algum tipo de misticismo. Não percebe? Precisamos nos ater
rigorosamente aos limites científicos. Você está bem?
- Sim, mas não concordo com
você. Por que precisamos marcar uma linha arbitrária que determina todas as
áreas de investigação?
- Precisamente, porque o mundo é
cheio de inimigos procurando por uma forma de nos desacreditar. E no momento em
que nos virem abandonar a base sólida da teoria sexual, para rolar na lama
negra da superstição, nos atacarão. Até onde sei, simplesmente levantar estes
assuntos é suicídio profissional. (o barulho de um clique faz com que Jung
exclame).
- Eu sabia que isso ia
acontecer.
- O quê?
- Pressenti que algo assim
aconteceria. Tive um tipo de queimação no estômago.
- Do que está falando? É o
calor. A madeira da estante estalou, é só isso.
- Não, isso chama-se Fenômenos
de Exteriorização catalítica.
- Um o quê?
- Fenômenos de Exteriorização
catalítica.
- Não seja ridículo.
- Meu diafragma começou a
esquentar... E mais uma coisa... Acontecerá novamente.
- O quê?
- Em um minuto, acontecerá de
novo.
- Querido jovem e inexperiente
amigo, esse é o tipo de coisa a que me refiro. Você deve... (estalo, de novo).
- Viu só?
- Isso é... Não está falando
sério.
- Há tantos mistérios, tanto a
avançar.
´Por favor, não podemos. Seja
cauteloso. Não podemos nos dar ao luxo de vagar por essas áreas especulativas.
Telepatia, estantes que estalam, fadas no quintal. Não funcionará! Não
funcionará.'
Enquanto Sabina está de roupas íntimas, abaixada de costas para Jung,
ele aplica-lhe palmadas e ela geme de prazer. Em seguida a cena começa com
ambos já na cama, quando ela diz:
- Há um poema de Lermontov que
não sai da minha cabeça. É sobre um prisioneiro que finalmente alcança alguma
felicidade quando consegue libertar um pássaro da gaiola.
- Por que acha que isso a
preocupa?
- Acho que significa que quando
me tornei médica, o que eu mais queria era devolver a liberdade às pessoas como
você devolveu a minha.
As freiras tiram uma paciente da banheira, enquanto Jung diz:
- Já chega. Vamos lá. – Enquanto
faz anotações.
- Fascinante – Diz Freud que
assiste a tudo do outro lado da sala.
- Vamos, querida – Diz uma das
freiras, enquanto a encaminha para sair.
- Todos os sintomas padrão de
ninfomaníaca.
- Sim, só que sempre que alguém
respondeu aos avanços dela, ela se afastou.
- Esta é a característica
intrigante do caso.
- Devo dizer, que é um grande
prazer vê-lo em seu habitat natural – diz Fred.
Jung conduz o barco, levando Freud, que fala:
- Há um boato correndo de que em
Viena você tem uma de suas pacientes como amante
- Absolutamente falso – responde
Jung, fechando a cara.
- Sim, claro que é. É o que digo
a todos.
- O que está sendo dito?
- Eu não sei. Que a mulher se
vangloria disso. Que alguém tem enviado cartas anônimas
Esse tipo de coisa. Acontecerá
cedo ou tarde. É um risco da profissão.
- Espero nunca ser estúpido para
envolver-me emocionalmente com pacientes
Enquanto Sabina ainda está na cama, Jung se veste, falando:
- Estou confuso. Me sinto
enjaulado. Prendi a mim mesmo em um sentimento dividido, culpado.
- Nunca quis que se sentisse
culpado.
- Não vejo como podemos prosseguir.
- Não diga isso.
- Tenho alguma doença. Tente se
lembrar do amor e paciência que demonstrei quando você adoeceu. É o que preciso
de você agora.
- É claro, você o tem, sempre,
sempre! Por favor, não vá.
- Eu devo.
- Não, não.
- Eu preciso.
- Não!
- Eu preciso! – Jung a joga no
chão e se retira, deixando-a desolada, chorando.
O casal está na sala de jantar fazendo uma refeição, quando Emma diz:
- Não posso dizer que lamento me
despedir dele. Não foi o hóspede mais agradável que já tivemos.
- Não. Acho que ele jamais se
recuperará da primeira vista da casa. Mesmo assim, creio que comparando àquele
pequeno apartamento de Viena.
- Por que ele se recusou a
encontrar o senhor Diretor?
- Ele sempre foi de guardar
incompreensíveis rancores.
- Ele lhe disse algo sobre as cartas
anônimas?- Jung levanta o olhar para a esposa, que continua – Você não acha que
eu o deixaria ir sem litigar.
Enquanto
Sabina invade o cômodo, a secretária protesta:
- Senhorita Spielrein!
(Sabina surpreende Jung em sua invasão, dizendo:)
- Por que está fazendo isso?
- Por favor, sente-se.
- E como pode me tratar assim?
- Sente-se. ... Tentei explicar a situação
para sua mãe.
- Não sei como se atreveu a dizer aquelas
coisas a ela.
- Ela acenava uma carta anônima exigindo
saber se era verdade.
- Falei que mesmo que fosse, a questão não
seria como ela imaginou, já que você não é mais minha paciente.
- É claro que sou sua paciente.
- Tecnicamente não. Não, desde
que eu parei de cobrar.
- Isso é o que ela disse. Falei
que não acreditava nela e ela me contou que seus honorários eram 20 francos por
consulta.
- Eu estava fazendo entender que
aceitaria você de volta, mas só poderia vê-la no consultório.
- Como pode ser tão frio e
precipitado?
- Quis que percebesse a
distinção entre paciente e amigo.
Ouça... Eu cometi um erro estúpido.
- Foi isso que aconteceu?
- Quebrei uma regra básica da
profissão. Sou seu médico. E creio que lhe fiz algum bem. Não posso me perdoar
por ter passado do limite. Eu devia saber que se lhe desse o que queria, você
ia querer mais.
- Não quero mais, Nunca quis
mais. Nunca pedi mais.
- Não precisava pedir.
- E mesmo que esteja certo, o
que não concordo, acha que isso é um bom modo de lidar comigo?
- Recusando-se a falar comigo
salvo sem seu consultório?
- Eu sou seu médico.
- A partir de agora, é tudo que
posso ser.
- Você não me ama mais?
- Apenas como seu médico.
- Acha que vou tolerar isto?
- Que escolha você tem?
Sabina pega um instrumento e corta a face de Jung com raiva, tira uma
nota da bolsa e diz:
- E aqui estão os 20 francos.
Após se retirar bruscamente, a cena muda para ela relendo uma carta
que diz:
“Prezado Professor Freud,
ficaria grata se me permitisse visitá-lo em Viena numa questão de grande
interesse mútuo!"
Freud em seu consultório:
“Caro amigo, acabei de receber
esta carta muito estranha, você conhece esta mulher? Quem é ela?”
Jung, após ler a carta de Freud
reflete e responde, enquanto a cena mostra sua esposa e filhos no quintal da
casa:
“Você se lembrará que Spielrein
foi o caso que nos uniu, por isso sempre a considerei com gratidão e afeto. Até
que entendi que ela planejava me seduzir. Agora não imagino que intenções ela
possa ter. Vingança, eu suspeito. Nunca demonstrei amizade a uma paciente. E
nunca fiz sofrer tanto em retorno. Espero que haja como intermediário e evite o
pior. Seu famoso diário está gravado em meu coração (Freud reflete ao ler).
Jung navega no lago ‘a despeito do que faça, desista da idéia de curá-los'.
Agora, Jung, ainda no lago, abre a seguinte carta:
“Experiências como essas, mesmo
que dolorosas, são necessárias e inevitáveis. Sem elas, como podemos conhecer a
vida?”
Freud, em seu ambiente, escreve:
“Prezada Srta. Spielrein, o Dr.
Jung é um bom colega que creio ser incapaz de comportamento leviano. O que
entendi pela sua carta, é que vocês eram amigos, mas não são mais. Se este for
o caso, insisto que considere se os sentimentos que sobreviveram a essa amizade
não sejam reprimidos e esquecidos e sem a intervenção e envolvimento – Sabina
lê transtornada – de terceiras pessoas como eu”. – Sabia chora copiosamente em
frente ao seu prédio, finalizando a carta.
A secretária anuncia:
- Dr Jung, Srta Spielrein.
- O que é isto? – Jung reage.
- Soube que está deixando o
hospital.
- Como você vê – Apontando para
as pilhas de livros e arquivos as quais mexe.
- Dizem que é pelo escândalo que
causei.
- Eu já planejava sair de
qualquer modo.
- Desculpe-me se o precipitei.
- Você sempre me estimulou.
- Recebi uma carta do professor
Freud.
- Sim?
- Ficou claro o quanto ele o
ama. Mas o quanto também ficou claro é que você negou tudo. Você o deixou
pensar que eu era excêntrica ou mentirosa.
- Ele não tem nada a ver com
isso.
- Vim aqui para pedir a verdade.
- O quê?
- Quero que escreva para ele e
diga-lhe tudo. E quero que ele me
escreva e confirme que disse tudo a ele.
- Está me chantageando?
-Estou pedindo para dizer a
verdade.
-Por que isso é tão importante
para você?
- Quero que ele me aceite como
paciente.
- Tem que ser ele?
- Tem que ser ele!
- Você não sente o mesmo sobre
ele, não é?
- Estou desapontado pelo
pragmatismo rígido dele, a insistência de que nada possa existir sem que uma
inteligência débil ou transitória tenha consciência disso.
- Você escreverá para ele? Eu
poderia ter te arruinado, sabia? Muito pior do que eu fiz. Escolhi não fazer
isso.
- Tudo bem, eu vou fazê-lo.
- Obrigada, Significa tudo pra
mim.
- Vai a algum lugar no verão?
- Berlim, com meus pais.
- Mas, voltará à Universidade
para se qualificar?
- É claro!
- Vou para a América com Freud,
embora ele ainda não saiba disso.
- Isso é bom. Adeus. (se retira,
deixando Jung reflexivo, apreciando a visa da janela).
Fred lê a carta de Jung:
“considerando a minha amizade com a paciente e a completa
confiança dela em mim, o que fiz foi indefensável. Confesso isto, muito triste,
a você, minha ‘Figura de Pai’”.
Enquanto Sabina aparece na rua, se encaminhando para um carro de
aluguel, a carta de Freud é lida em off:
Querida senhorita Spielrein,
devo-lhe um pedido de desculpas. Mas o fato que eu estava errado e que o homem
é mais culpado que a mulher, satisfaz minha necessidade de reverenciar as
mulheres. Por favor, aceite minha admiração pelo modo digno que teve para
resolver este conflito.
No embarque do navio, Freud fala:
- Temos toda papelada
necessária, Ferencsi?
- Tenho tudo, professor.
- Ótimo. Nunca consegui decidir
sobre a América. Talvez, cometemos um erro tolo. Será mesmo que nos querem
lá?
- Eles adiaram o Congresso em
dois meses para que você possa participar. Certamente isso lhe dá alguma
indicação.
- Acho que será uma grande
aventura, Jung fala, surpreendendo Freud.
- Sim, espero que esteja certo,
diz Freud.
- Vou por aqui – diz Jung.
- O que quer dizer? – pergunta
Freud.
- Deixei que minha esposa preparasse tudo.
Receio que ela tenha reservado uma cabine de primeira classe.
- Entendo. _ Fica evidente a frustração de Freud diante do fato.
Freud e Jung se tomam um drink no deck do navio, quando Jung diz:
- Eu estava na fronteira
suíço-austríaca, em algum lugar nas montanhas ao entardecer. Houve uma longa
espera porque a bagagem de todos era procurada. Notei um decrépito funcionário
aduaneiro, vestindo um antigo uniforme imperial. E eu o olhava subir e descer
com sua melancolia e expressão infeliz, quando alguém me disse: “Ele não está
lá. Ele é um fantasma que não descobriu como morrer direito”.
- Este é o sonho todo -
pergunta Freud.
- Tudo o que posso lembrar.
- Você disse a fronteira
suíço-austríaca?
- Sim.
- Deve ter algo a ver conosco.
- Você acha?
- Todos estão sendo pesquisados.
Talvez isso indique que as idéias que costumavam fluir livremente entre nós
estão agora sob análise mais rigorosa.
- Voce quer dizer que as idéias
fluem em sua direção.
- E temo que a velha relíquia
que ainda circula desta forma totalmente inútil deva, certamente, ser eu.
- Espere um pouco....
- alguém que você piedosamente
queria poder tirar do sofrimento. Um desejo pela morte.
- Talvez o fato dele não
conseguir morrer, seja um indício da imortalidade das idéias dele.
- Sim, Então você concorda que
deva ter sido eu?
- Eu não disse isso.
- Não. Deixa pra lá. É um
exemplo dos mais divertidos
- E quanto a você, algum sonho a
reportar?
- Tive um sonho bastante
elaborado ontem. Particularmente rico.
- Vamos ouvi-lo.
- Adoraria te contar, mas não
acho que deva.
- E por que não?
- Não quero arriscar minha
autoridade.
Jung permanece calado e perplexo.
O navio já se aproxima de Nova York, quando Jung fala:
- Na minha opinião, o que
estamos vendo é o futuro.
- Acha que eles sabem que
estamos a caminho, levando a praga para eles? – vemos a estatua da Liberdade ao
fundo, enquanto o navio se dirige para o porto.
Suíça, setembro de 1910 – Sabina chega a casa de Jung. Jung
chega na sala, perguntando a ela:
- Quem teve a idéia de você me
mandar sua dissertação?
- Do Senhor diretor.
- Sim, claro.
- Ele insistiu que era o tipo de
material que você procura para o seu Anuário.
- O caso que você escolhe é
bastante interessante. Mas se formos considerá-lo para o Anuário, teremos que
lidar com um ou dois erros que aconteceram.
- Claro.
- Você tem um tempinho para
discutir isso? – Jung pergunta, enquanto indica a cadeira.
- Sim.
- Quando deixei o hospital e vim
para cá, temi que levaria anos para montar uma lista de pacientes, mas já estou
sob vigilância. Mesmo assim, não vejo por que um pouco mais de trabalho não
faria seu texto passível de ser publicado.
- Acha que conseguiríamos
trabalhar juntos sem...?
- Nos vermos sempre será algo
arriscado.
- Sim.
- Mas acredito termos o caráter
para poder lidar com isso, não acha?
- Espero que sim. Achei que você
teria encontrado outra admiradora agora.
- Não. Você é uma jóia de muito
valor. Digamos, neste mesmo horário na
próxima terça? E começarei gentilmente a desconstruí-lo.
No apartamento de Sabina, Jung a orienta:
- Explique essa analogia que faz
entre a pulsão sexual e a pulsão de morte.
- O Professor Freud afirma que a
pulsão sexual tem por único objetivo o prazer. Se ele está certo, a questão é:
Por que esse desejo é tantas vezes reprimido com sucesso?
- Você tinha uma teoria
envolvendo o impulso na direção da destruição e da auto-destruição perdendo-se
em si mesmos.
- Vamos pensar na sexualidade
como uma fusão, perdendo-se em si mesma, como disse, mas perdendo-se também no
outro... Ou seja, destruindo a individualidade. O ego, em auto-defesa, não
resistiria a esse impulso?
- Quer dizer por razões
egoístas, e não por sociais?
- Sim, Estou dizendo que talvez
a verdadeira sexualidade demande a destruição do ego.
- Em outras palavras, o oposto do que Freud propõe.
Na cena seguinte, Jung a está açoitando, e Sabina, amarrada a cabeceira
da cama, de quatro, semi-nua, solta gemidos de dor/prazer. A seguir, ele faz
anotações na escrivaninha, enquanto Sabina, sentada no sofá, fala:
- Quando eu me formar, decidi
que mudarei de Zurique – Ele se volta atônito, ela continua – Preciso.
- Por quê?
- Você sabe porque. (ele tira o
óculos, concordando).
- É verdade. Não sou nada além
de um burguês suíço, complacente e covarde. Quero deixar uto para trás, fugir e
desaparecer com você. Eis a voz da ignorância... Para onde você vai?
- Viena, talvez.
- Por favor,não vá para lá.
- Preciso ir aonde quer que eu
me sinta livre.
Jung se aproxima, deita sua cabeça no colo de Sabina, chora, apertando
o tecido de sua saia e dizendo:
- Não.
Sabina segura seu choro e nada fala, apenas morde seus dedos e deixa
transparecer sua decisão, apesar de algum sofrimento.
Dois anos depois, em Viena – abril 1912, Freud fala para Sabina em seu
escritório:
- Sabe que os eu artigo, levou a
uma das mais estimulantes discussões que tivemos na sociedade psicanalítica.
Você realmente acha que a pulsão sexual é uma força demoníaca e destrutiva.
- Sim, e ao mesmo tempo é uma
força de criação, no sentido que pode produzir, a partir da destruição de dois
indivíduos, um novo ser. Mas o indivíduo deve sempre superar a resistência por
causa da natureza auto-destrutiva do ato sexual.
- Lutei contra essa idéia por
algum tempo, ma suponho que deva haver uma ligação indissolúvel entre o sexo e
a morte. Não creio que a relação entre os dois seja como você propôs, mas
agradeço por tratar esse assunto de uma maneira tão estimulante. O único choque
foi sua apresentação, no fim do artigo do nome de Cristo.
- Você se opõe por completo a
ter uma dimensão religiosa na nossa área de trabalho?
- Geralmente não ligo se um
homem acredita em Ramã, Marx, ou Afrodite, desde que o paciente deixe isso do
lado de fora do consultório.
- É essa a razão da rixa entre
você e o Dr. Jung?
- Não tenho nenhuma rixa com o
Dr. Jung.
- Eu apenas me enganei a
respeito dele. Achei que ele conseguiria continuar o nosso trabalho, depois que
eu me fosse. Não pedi por aquele misticismo de segunda, ou por todo aquele
xamanismo autoengrandecedor. Nem percebi que ele poderia ser tão brutal ou
hipócrita.
- Ele esta tentando achar uma
maneira para não termos que dizer aos nossos pacientes, “É por isso que você é
do jeito que você é”. Ele quer poder dizer, “Podemos lhe mostrar aquilo que
você quer se tornar.”
- Brincar de Deus, em outras
palavras. Não temos o direito de agir assim. O mundo é como é. Compreender e
aceitar isso é o caminho para a saúde psíquica. Que bem poderemos fazer, se o
que queremos é trocar uma ilusão por outra?
- Eu concordo com você.
- Notei que nas principais áreas
de confronto entre o Dr, Jung e eu, você tende ao meu favor.
- Achei que você não tinha um
confronto com ele.
- Você ainda o ama.
- Não é por isso que eu o
defendo. Eu só acho que se vocês dois não acharem um jeito de coexistirem,
vocês acabarão atrasando o progresso da psicanálise, talvez indefinidamente.
Não existe é possível evitar um rompimento?
- Relações científicas serão
mantidas, é claro. Eu o verei no encontro editorial de Munique em setembro, e
serei perfeitamente civilizado. Dizendo a verdade, o que acabou com ele para mim,
foi todo aquele negócio com você. As mentiras, o comportamento rude. Eu fiquei
bastante chocado.
- Eu acho que ele me amava.
- Creio que o seu ideal de uma união mística
com um alemão loiro estava fadada a ruína. Não confie em arianos. Somos judeus,
minha querida senhorita Spielrein. E
judeus serão sempre judeus. Mas o real motivo de eu tê-la convidado aqui esta
tarde foi para perguntar se gostaria de tratar de um ou dois de meus
pacientes...
-Eu estava interessado no que você disse
sobre o momoteísmo. Que ele surgiu de algum tipo de impulso parricida – Diz
Jung na reunião de psicanalistas.
- Akhenaton, que, pelo que sabemos, foi o
primeiro à diante da noção de que só há um Deus. Também apagou e retirou o nome
de seu pai. (Freud fala).
- Isso não é totalmente verdade, contesta
Jung.
- Não é?
- Não.
- Quer dizer que provavelmente foi um mito?
- Não, quero dizer que haviam 2 razões
perfeitamente justas para que Akhenaton ou Amenophis IV, como prefiro chamá-lo,
para tirar o nome de seu pai das lápides. A primeira, isso foi tradicionalmente
feito por todos os reis novos que não queriam que o nome dos pais deles
continuasse a ser a moeda local. (Todos vão se retirando, só restando ambos na
discussão). - --- - Assim como
seu artigo no anuário deixou de mencionar meu nome?
- Seu nome é tão conhecido que não me
pareceu necessário mencioná-lo
- Continue.
- A segunda, Amenophis só retirou a primeira
metade do nome de seu pai, amenhotep, porque como ele, a primeira parte do
nome dele foi dividido por Amon. Um dos Deuses que ele estava determinado a
eliminar.
- Simples assim?
- A
explicação não me parece indevidamente simples.
- E não acha que seu homem, não importa como
o chame, não sentiu hostilidade contra o pai dele? Não tenho provas, é claro.
- Tudo que sei é que Amenhopis pode ter
pensado que o nome do pai era muito familiar e que deveria ser a hora de fazer
um nome para ele mesmo.
Neste
momento, Freud fraqueja, tenta se equilibrar segurando na estante, não agüenta
e desfalece. Jung corre para tentar socorrê-lo, Freud murmura:
- Como deve ser doce morrer.
Na cena
seguinte, Jung escreve na escrivaninha a seguinte carta:
“Prezado professor, você comete o erro de
tratar seus amigos como pacientes. Isso lhe permite reduzi-los ao nível de
crianças, para que a única escolha deles seja se tornarem serviçais
insignificantes ou valentões que executam a forma de pensar, enquanto você se
senta no topo da montanha, a figura infalível e ninguém se atreve a puxá-lo
pela barba e dizer: pense sobre seu comportamento e depois decida qual de nós é
o neurótico. Falo como um amigo”.
Freud acaba
a leitura e pega a pena para responder. Jung abre a carta que diz:
Sua carta não pode se respondida. Sua
afirmação de que trato meus amigos é evidentemente falsa. Em relação a quem é o
neurótico, pensei que nós, analistas, concordamos que um pouco de neurose não é
motivo para se envergonhar. Mas, um homem como você, que se comporta de forma
anormal e depois bate no peito gritando o mais alto possível como é normal, é
motivo de preocupação. Já há algum tempo nossa relação está a um fio. E um fio
que basicamente consiste de decepções do passado. Não temos nada a perder ao
cortá-lo.”
Freud fuma
seu charuto na caminhada diária, encontra uma carta quando chega em casa:
“Você será o
melhor jurado do que esse momento significa para você. O resto é silêncio.”
Depois de
amassar e jogar um papel na mesa, Freud caminha no seu consultório e pega a
foto de Jung. Reflete, fita-a novamente e em seguida a guarda junto a algumas
cartas numa caixa.
Julho de
1913. No jardim da família, a esposa de Jung está sentada com Sabina grávida,
enquanto as crianças brincam, e, fala:
- É muito bom finalmente conhecê-la, Dra.
Spielrein.
- Nos conhecemos antes, quando eu era
paciente de seu marido.
- Acho que está certa.
- Suas crianças são lindas.
- Obrigada. Você deve nos avisar quando a
sua nascer. Acredito que queira um menino.
- Não, não. Meu marido e eu achamos que
preferimos uma menina.
- Sério? Queria que pudesse ajudá-lo.
- Por quê? Qual é o problema?
- Ele não é ele mesmo. Ele está muito
confuso e mergulhado no livro dele. Ele não está dormindo, não está aceitando
nenhum paciente novo. Ele ainda não se recuperou da violenta ruptura com Freud.
- O que está descrevendo é muito diferente
de minha lembrança dele.
- Se você fosse ficar na cidade, eu tentaria
persuadi-lo a deixá-la analisá-lo. Eu sei que ele sempre teve grande apreço por
sua opinião. Você está pegando pacientes agora?
- Eu decidi me especializar em psicologia
infantil. Não tenho certeza se é uma área que ele aprovaria. Ainda não discuti
isso com ele, mas...
- É melhor você ir conversar come ele.
- Ninguém pode ajudá-lo mais que você.
- Espero que esteja certa.Sabina,
então, segue para o lago, onde Jung está, senta-se ao seu lado e diz:
- Seus filhos são lindos.
- Então, está casada.
- Sim.
- Ele é médico?
- Sim, o nome dele é Pavel Scheftel.
- Russo?
- Sim, judeu-russo.
- Como ele é?
- Gentil.
- Bom, bom.
- Você está bem?
- Sim. Não tenho dormido muito bem e fico
tendo esse sonho apocalíptico. Uma inundação horrível do Mar do Norte até os
Alpes. Casas arrastadas, milhares de corpos flutuando. Às vezes ela bate no rio
como uma onda. E a partir daí, a água que... vem descendo como uma grande
avalanche, se tornou sangue. O sangue da Europa.
- O que acha que isso significa?
- Não tenho idéia. A não ser que esteja
prestes a acontecer. Quais são seus planos?
- Estamos pensando em voltar para a Rússia.
- Contanto que deixe Viena.
- Falei com ele semana passada. Não creio
que nada possa ser feito.
- Não há nada a ser feito. O dia que ele se
recusou a discutir o sonho dele porque isso poderia afetar sua autoridade, eu
deveria ter sabido. Depois disso, para mim, ele não tinha autoridade. Foi uma
pancada quando descobri que você escolheu o lado dele.
- Não é uma questão De lados. Tenho que
trabalhar na direção que meu instinto diz a minha inteligência que é certo.
- Não esqueça que você me curou com os
métodos dele.
- O que nunca vai aceitar é que o que
entendemos nos levou a lugar algum.Temos que entrar em território
inexplorado.Temos que voltar a fonte de tudo que acreditamos. Não quero somente
abrir a porta e mostrar ao paciente a doença dele agachada como um sapo. Quero
tentar achar um jeito de ajudar o paciente a se reinventar. Mandá-lo em uma
jornada no qual seu final estará a pessoa que ele sempre tentou ser.
- Não vai ajudá-lo adoecer durante o
processo.
- Somente um médico machucado pode esperar
ser curado.
- Eu soube que você tem uma nova amante.
- É mesmo?
- Qual o nome dela?
- Toni.
- Ele é como eu?
- Não.
- Ela é uma ex-paciente.
- Sim.
- Judia?
- Meio-judia.
- Ela está treinando para ser analista?
- Sim.
- Mas ela não é nada como eu?
- É claro que ela me faz pensar em você.
- Como você consegue?
- Não sei. Emma, como você viu, é a base da
minha casa. Toni é o perfume no ar. Meu amor por você foi a coisa mais
importante na minha vida. Por bem ou mal. Me fez entender quem sou. (olhando
para a barriga dela). Ele deveria ser meu.
- Sim.
- Às vezes as pessoas têm que fazer algo
imperdoável... Só para poder continuar vivendo
Sabina vai embora visivelmente
afetada pela conversa, enquanto Jung permanece sentado, meio apático no jardim.
A tela escurece, podemos ler,
então:
Otto Gross morreu de fome em
Berlim em 1919. Freud foi expulso de Viena pelos nazistas e morreu de câncer em
Londres em 1939. Sabina voltou a Rússia, treinou muitos dos renomados analistas
na União Soviética e finalmente voltou a exercer a medicina em sua cidade
natal, rostov-on-don. Em 1941, já viúva, ela e as duas filhas foram levadas
pelas forças nazistas a uma sinagoga local e foram fuziladas.
Jung sofreu uma prolongada crise
de nervos durante a 1ª guerra, da qual ele emergiu, para se tornar um dia, o
psicólogo mais importante do mundo. Ele viveu mais do que sua esposa Emma, e
que sua amante, Toni e morreu em paz em 1961.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é muito importante!