sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Adam

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Sindrome de Asperguer, Autismo, relação terapeutica, relações afetivas, familiares e sociais.
SINOPSE
O jovem engenheiro eletrônico Adam acaba de perder o pai. Com dificuldades de se socializar, vive isolado em seu excessivamente organizado apartamento em Nova York. Sua rotina se transforma quando a atraente Beth se muda para o andar de cima. Inicialmente reticente com o comportamento estranho do vizinho, ela aos poucos passa a conhecê-lo melhor e a entender as razões por trás de suas dificuldades de comunicação. Percebendo o interesse de Adam e a profunda conexão que se formou entre eles, Beth resolve dar uma chance ao relacionamento.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Adam é portador da Síndrome de Asperger, transtorno de espectro autista. Sua forma de funcionamento traz algumas peculiaridades, principalmente no que se refere à percepção. Costumamos considerar “Normal” ter a capacidade de selecionar o estímulo ambiental que nos interessa. Por exemplo, no universo dos neuróticos, escolhemos o que ouvir, o que ver, o que “perceber”. Muitas vezes, o trabalho da terapia é favorecer a ampliação da percepção, pois nossa tendência de selecionar o que é possível pode provocar comunicação ineficiente, causando sofrimento. Por outro lado, para compreendermos, de fato, o que estamos ouvindo, vendo, percebendo, é preciso focar no alvo de nosso interesse. Em Gestalt-terapia, chamamos de “figura” o estímulo em foco, e de “fundo” todo o restante. Assim, estando aberto ao fenômeno que se revela, ele é selecionado, “destacado”, em detrimento dos estímulos restantes, que vão para o fundo. O processo saudável consiste em trocas sucessivas de figura e fundo, de acordo com o interesse da pessoa, fluindo naturalmente e constantemente. A cada formação de sentido ou “fechamento de uma gestalt”, outro estímulo se torna figura e o anterior se torna fundo. Pessoas portadoras da Síndrome de Asperger não conseguem selecionar estímulos, o que transforma seu universo em alvo de múltiplos estímulos simultâneos. A sensibilidade com a informação sensorial, como luz, som, textura e gosto podem ser percebidas como invasivas, transformando o convívio social em uma ameaça insuportável. O isolamento social é consequência desse e de outros sintomas. Os “aspies” – como se autodenominam os portadores da síndrome – não apresentam nenhum traço físico aparente da doença e possuem inteligência normal, muitas vezes acima da média. Suas dificuldades de comunicação são confundidas muitas vezes como mera timidez, enquanto, na verdade, enfrentam problemas de primeira ordem relacionados à sociabilidade, compreensão da linguagem e interesse exclusivos por determinados assuntos, o que abala as estruturas convencionais na formação de vínculos com a sociedade. Dificilmente eles olham para seu interlocutor, sempre evitando o contato direto. Do mesmo modo, quando olham, eles não conseguem interpretar suas expressões faciais. Isso quer dizer que esteja você sorrindo ou com cara de zangado, a reação é a mesma e neutra, o que acusa a falta de entendimento das emoções. Essa característica provavelmente é uma das que mais lhes gera angústia, pois não conseguem compartilhar e entender os sentimentos do próximo. Uma característica peculiar da síndrome faz que seus portadores se interessem quase que exclusivamente por um único assunto, como pode ser visto com Adam. Cada caso é um caso, nem todos os sintomas são iguais ou têm a mesma intensidade nos portadores. O filme nos mostra como é para Adam, que depois de perder o pai, encontra-se perdido. Beth representa um vínculo nutritivo, que o auxilia a ampliar suas habilidades sociais, a partir de sua disponibilidade e carinho. O desdobrar da história, irá retratar alguns sintomas peculiares e novas revelações dentro  das possibilidades. Trata-se de um filme simpático, que não perde a chance de ser didático, pois a consciência da própria síndrome faz com que Adam explique parte do que ocorre em seu universo. A inaptidão para perceber a linguagem não verbal é amenizada pelo aprendizado lento, mas possível. O longa é super recomendado para melhor compreensão de outras formas de funcionamento no mundo, nem melhor nem pior, apenas diferente. Confira!




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O lenhador

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Pedofilia, relações afetivas, sociais, familiares e relação terapêutica.
SINOPSE
Após 12 anos na prisão, Walter (Kevin Bacon) se muda para uma pequena cidade. Ele vai viver num apartamento em frente a uma escola de ensino básico, cheia de crianças. Walter arruma emprego em uma madeireira e se mantém o mais reservado possível, mas isto não o impede de se envolver com Vicki (Kyra Sedgwick), uma extrovertida colega de trabalho. Ele, porém, não pode escapar do seu passado e quando os colegas de trabalho descobrem seu crime, o clima amigável desaparece.
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O OLHAR DA PSICOLOGIA
Confesso minha resistência em assistir ao filme. Pedofilia é um tema difícil, que provoca sentimentos conflitantes, dificultando a necessária neutralidade no processo terapêutico. Recordo que na época de seu lançamento, o longa foi recomendado por uma professora querida, que sinalizava a respeito da consciência que o terapeuta deve ter sobre os próprios limites. Existem situações nas quais o profissional pode ficar impossibilitado de manter a postura de imparcialidade, do não julgamento, a pedofilia pode ser uma delas. Como atender com imparcialidade um cliente, que em um momento de descontrole, é capaz de molestar uma criança indefesa? Como lidar com tal situação de forma imparcial? Certamente, o filme nos dá pistas sobre o outro lado da situação. Não há como não repensar nosso impulso de considerar o pedófilo como monstro, após assistir ao drama. Nós somos convidados a acompanhar os dias de Walter, após 12 anos de detenção. Aos poucos, somos apresentados ao seu drama, e seus conflitos cotidianos diante da necessidade de se reinserir na sociedade e seus conflitos internos, frente à possibilidade de se descontrolar novamente.

Encontros ao acaso

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Relações afetivas, familiares e sociais; processo autodestrutivo, dificuldade de aceitar afetos e mudanças.
SINOPSE
Lucy Fowler (Ashley Judd) é uma mulher trabalhadora e auto-destrutiva, que realiza frequentes aventuras de uma só noite, sempre regada a muita bebida. Ao tentar mais uma vez se reaproximar do pai, Lowell (Scott Wilson), ela conhece Cal Percell (Jeffrey Donovan), que se mudou recentemente. Cal consegue enxergar em Lucy algo que ela própria não deseja reconhecer, o que faz com que se afaste dele. Desta forma Lucy precisa lidar sozinha com sua conturbada família e sua dificuldade em amadurecer e manter um relacionamento amoroso.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
O filme fala, principalmente, sobre a dificuldade de relações afetivas da protagonista, que “repete” o comportamento do pai, que se revela na trama a própria dificuldade de manter relações afetivas. Lucy, além de manter relações com desconhecidos em momentos de embriaguez, não se lembrando no dia seguinte sobre os detalhes da relação, faz questão de se manter emocionalmente distante de tudo. Atentem para a relação com o cachorro abandonado, e, sua atitude distante diante da clara afeição ao animal. Como qualquer de nós, ela tem uma história, um contexto que ajuda a compreender seu comportamento reativo diante das possibilidades afetivas. A trama me fez recordar da importância do GENOGRAMA no processo terapêutico. Para quem não conhece a ferramenta, trata-se de um recurso potente de suporte ao processo terapêutico. Com ele, somos capazes de identificar, junto ao cliente, as repetições transgeracionais, as questões familiares, oferecendo a oportunidade de capacitar o cliente para realização de novas escolhas. Ao reconhecer “repetições”, situações inacabadas, ou questões que pertencem ao histórico da pessoa, o cliente encontra a oportunidade de aceitar/perceber/ter consciência seu movimento atual. Diante disso, algo semelhante ao que Jung chamou de “processo de individuação” pode acontecer de forma mais saududável. Em Gestalt-terapia, o mesmo processo pode ser reconhecido como percepção da própria fronteira, que deve ser flexível, nem totalmente aberta nem fechada. Assim, a pessoa pode escolher quando e onde abrir seu mundo ao mundo do outro, fazendo contatos nutritivos com o ambiente. A repetição de comportamentos engessa as fronteiras, que bloqueiam as novas trocas. O processo de Lucy, aos poucos vai oferecendo a oportunidade dela perceber suas ações “reativas”, repetidas, inacabadas. E, assim, durante a trama, vamos acompanhando seu movimento de busca de fechamento para situações inacabadas, ou, o reconhecimento de seu funcionamento “repetido”.  Nesse sentido, Cal é a chave terapêutica de Lucy, pois “representa” o papel do terapeuta, ao sinalizar o óbvio. Assim também faz sua colega de quarto, que questiona suas atitudes. Acompanhamos a busca de sentidos na relação familiar, que aos poucos lhe dão a clareza do próprio funcionamento, e, com isso a possibilidade de novas escolhas. Não espere, então, que o desfecho feliz esteja de acordo com os romances clássicos. Ser feliz com o príncipe encantado? Que nada! Há frustração, há dor, mas não é possivel desenvolvimento real, sem que passemos pela dor.  Na fita, vemos a busca da própria integração, em detrimento da busca do outro que a “complete”. Para que um sistema inteiro seja possível, sem dependência, mas apenas uma relação de contato saudável, ambos precisam estar inteiros, integrados em sua individualidade, para somente depois realizar trocas nutritivas. O final está aberto, mas feliz, pois fica claro o quanto Lucy pode realizar novas e criativas escolhas, o restante pode ser imaginado. Aí está um final real e feliz, vale a pena conferir!