
ASSUNTO
Relações familiares e afetivas, sexualidade, saúde mental, luto, auto-suporte, identidade, controle, segredos.
Cada filme que aqui é postado segue uma rotina. Tento estar isenta de qualquer informação sobre a película antes de assistir, para que assim possa registrar a minha impressão. Depois, com muita calma, leio o que puder encontrar publicado sobre o filme, objetivando ampliar a reflexão, acrescentando muitas vezes as indicações de outros sites no meu post. Finalmente, construo o texto, tentando reunir o máximo de informações que possam abraçar a perspectiva psicológica. Por tudo isso, indico aos leitores que assistam ao filme antes de ler esse post.
Antes mesmo de assistir “A pele que habito”, já fui provocada pelo título deveras sugestivo. Em minha experiência clínica, encontrei muitos clientes sem a clara percepção dessa tal “pele que habitam”. É curioso como o próprio termo “habitar a pele” nos distancia daquilo que somos, afinal, a pele é parte de cada um de nós, portanto, sou também pele. Voltemos ao filme.
Cada uma das personagens tem um mundo a ser explorado, o que me pareceu uma das maiores riquezas do filme. O personagem vivido por Antonio Bandeiras é um aglomerado de conflitos existenciais. Podemos escolher a reflexão sobre sua dificuldade em fechar ciclos em sua vida. Não falo apenas do luto pelo falecimento da esposa, pois no desenrolar da trama percebemos que já era sabido que a mesma fugia com seu meio-irmão, evidenciando que esse grande amor já não era correspondido. A idealização desse amor tem a chance de ser perpetuada através da projeção, que é endereçada justamente àquele que foi responsável por mais uma perda em sua vida: o homem que violentou sua filha. Não é uma contradição, no mínimo curiosa? Amor/ódio unidos outra vez? Neste momento, acompanhei a viagem do personagem e fiquei me perguntando: como seria se os estupradores tivessem como punição essa troca de sexo? Como é estar no lugar daquele outro que machucamos? Aqui, como em muitos momentos, encontramos a marca de Pedro Almodóvar, infinitamente possível, sem amarras ou risco de estar esgotado em um único olhar.
Mas, voltemos ao filme. No lugar de “quase Deus”, utilizando de seu saber científico, nosso personagem tenta ser aquele que molda a identidade do outro. Sua patologia fica evidente e abre espaço para refletirmos sobre a herança familiar, incluindo a mãe biológica de dois indivíduos claramente perturbados, sem perder de vista a filha, a única realmente reconhecida e declarada doente. A trama tenta apontar uma possível relação causal, quando exibe passagens traumáticas na vida da criança. Mas, o que podemos entender sobre a mãe e seus segredos, sobre sua indiferença com um filho em contraste com a idolatria e conivência com o outro? Seria essa mãe equilibrada?
E quanto ao Vicent/Vera, o que nos provoca a condição/condução do personagem? Quando falo condição, me refiro àquilo que foi praticamente imposto, não oferecendo aparentemente qualquer alternativa. Refiro-me ao momento no qual Vicent passa de algoz à vítima da violência - (Almodóvar nos convida a refletir sobre esta troca, experimentar o lugar do outro). É no desenrolar da trama que podemos acompanhar a condução do personagem. Em outra fase, ele tenta desistir através do suicídio, de novo, sua escolha é roubada e é devolvido à condição que lhe era imposta. Interessante olhar para o momento que Vicent pára de lutar contra sua nova condição, passando então à condução, quando através do Yoga e da arte vislumbra o caminho de volta para si mesmo. Não é assim também em nossas vidas, quando somos convidados a exercitar a flexibilidade entre diferentes aspectos? Afinal, ora somos afetados ora afetamos, não é assim? Quantas vezes somos convidados a desistir de tudo, quando nos sentimos ameaçados por alguma imposição da vida? E não é aí que percebemos que dentro de nós é possível encontrar alternativa? Pois é, o filme realmente nos convida a refletir sobre vida, por mais louco que pareça. Mas é claro, os assuntos do filme não se esgotam aqui. Há muito mais a ser explorado. Por isso, convido você a assistir e compartilhar conosco suas reflexões. Uma obra deste quilate merece muitas trocas, compartilhe!
Dentre muitos olhares, gosto da observação de Dani Vital, que além de perceber o quanto o médico é controlador, diz mais
Existe pior prisão do que aquela sem muros? E quando o seu próprio corpo é uma prisão? A sua identidade é sua carga genética, seu corpo, sua alma, sua mente? Qual é sua verdadeira identidade? Quando a governanta diz: “a loucura está no meu ventre, a culpa disso tudo é minha” ela expõe mais uma questão que corroi os personagens: Robert se culpa por não ter salvo a mulher e a filha, a governanta por gerar dois psicopatas, Vicent por estuprar Norma…
La Piel que Habito é como uma flor com suas diversas pétalas. A medida que vamos arrancando-as somos levados ao seu interior e vendo que aquela beleza inicial pode não ser bem o que de fato é belo. As camadas vão sendo ultrapassadas e nos deparamos com aquele miolo, vulnerável, nu, não tão atraente como no começo. A pele que você habita, diz quem você é ou lhe aprisiona?
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Baseado em uma história escrita por Thierry Jonquet, “A Pele que Habito” é um espetáculo narrativo que há um bom tempo Almodóvar não nos trazia (o que não exclui suas últimas obras, sempre ótimas). Aqui, ele constrói mais um mundo cheio de imprevisibilidades e coerente em seus argumentos. Com uma metáfora magnífica em seu título, além dos jogos de cena (como os canais de televisão que Vera tem acesso, que fazem uma representação do seu mundo de prisão e caça), a obra está pronta para ser aclamada pelos próximos anos por oferecer mais um trabalho de contação de histórias irretocável de Pedro Almodóvar e se estabelecer como uma de suas principais contribuições cinematográficas.
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Assim como na vida real, em
A Pele que Habito não existem vilões ou mocinhos – todas as personagens são movidas por motivações das mais diversas, muitas vezes inescrupulosas, outras patológicas, e na grande maioria das vezes, desconhecidas para as próprias personagens. E, assim como na vida real, o fim da história é apenas o começo – e o espectador se vê obrigado a sair do cinema com mais questionamentos do que entrou.
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A diferença entre os sexos; aceitação do corpo; identidade; transtornos de personalidade; e abuso de poder. Pela riqueza de discussões possíveis, o filme é um convite ao aprofundamento teórico.
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Como na maioria de seus filmes,
A Pele que Habito então trata desse homem preso ao seu passado, um cirurgião plástico vivido por Antônio Banderas (vinte anos depois do fim da parceria com o cineasta em
Ata-me) que, esmagado pela dor da perda e movido pela sede de vingança, acaba ultrapassando qualquer limite ético, pessoal ou profissional.
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Além disso, uma das grandes sacadas do filme é justamente a metáfora com a pele. No longa, a pele aparece como uma extensão da alma. Como se bastasse uma mudança externa, por maior que seja, para mudarmos completamente a nossa essência. E essa mudança é abordada por diferentes ângulos, seja por um acidente como a queimadura, por exemplo, ou por uma cirurgia estética.
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SINOPSE
Dr. Robert Ledgard é um renomado cirurgião plástico que está em uma incessante pesquisa. Uma pele mais resistente que possa ser implantada em seres humanos vítimas de queimaduras. Esta obsessão foi causada por conta da morte de sua esposa que após sofrer um acidente de carro, foi carbonizada. Ela sobreviveu um tempo, graças ao médico que implantou nela a pele trangênica mas não pôde conter o suicídio iminente.
Após perder a mulher e a filha de maneira trágica, Robert se isola em sua casa – que funciona como um centro cirúrgico – ele trabalha em suas pesquisas e continua operando os pacientes normalmente. Após apresentar sua pele trangênica, tem a pesquisa repudiada pela comunidade científica que não aceita o uso de material trangênico em seres humanos vivos ( Robert usa a pele humana aliada ao material genético de porcos). Isso não o impede de continuar pesquisando e testanto seu experimento em Vera, um Frankeinstein moderno.
Vera é uma misteriosa mulher que vive aprisionada em um dos cômodos da casa de Robert e serve como cobaia do doutor. Usando uma espécie de meia que lhe cobre o corpo na maior parte do tempo, ela usa a yoga para manter a mente ocupada e meditar. Vera não tem contato com ninguém além da governanta Marília que trabalha e mesmo assim apenas por meio de um pequeno elevador onde ela recebe tudo que é necessário: alimentos, roupas, maquiagem e afins.
TRAILER