terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O lenhador

clip_image001ASSUNTO
Pedofilia, relações afetivas, sociais, familiares e relação terapêutica.
SINOPSE
Após 12 anos na prisão, Walter (Kevin Bacon) se muda para uma pequena cidade. Ele vai viver num apartamento em frente a uma escola de ensino básico, cheia de crianças. Walter arruma emprego em uma madeireira e se mantém o mais reservado possível, mas isto não o impede de se envolver com Vicki (Kyra Sedgwick), uma extrovertida colega de trabalho. Ele, porém, não pode escapar do seu passado e quando os colegas de trabalho descobrem seu crime, o clima amigável desaparece.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Confesso minha resistência em assistir ao filme. Pedofilia é um tema difícil, que provoca sentimentos conflitantes, dificultando a necessária neutralidade no processo terapêutico. Recordo que na época de seu lançamento, o longa foi recomendado por uma professora querida, que sinalizava a respeito da consciência que o terapeuta deve ter sobre os próprios limites. Existem situações nas quais o profissional pode ficar impossibilitado de manter a postura de imparcialidade, do não julgamento, a pedofilia pode ser uma delas. Como atender com imparcialidade um cliente, que em um momento de descontrole, é capaz de molestar uma criança indefesa? Como lidar com tal situação de forma imparcial? Certamente, o filme nos dá pistas sobre o outro lado da situação. Não há como não repensar nosso impulso de considerar o pedófilo como monstro, após assistir ao drama. Nós somos convidados a acompanhar os dias de Walter, após 12 anos de detenção. Aos poucos, somos apresentados ao seu drama, e seus conflitos cotidianos diante da necessidade de se reinserir na sociedade e seus conflitos internos, frente à possibilidade de se descontrolar novamente.
O que logo fica evidente na trama são os tormentos sofridos por Walter e seu desejo de sentir-se normal. Abordar um tema tão repugnante se forma neutra é a riqueza do longa, que retrata o drama de Walter, sem usar de artifícios melodramáticos ou julgamentos desnecessários. A riqueza dos diálogos, internos e externos, nos coloca diante do tormento dele e do medo pessoas no contato com ele. De um lado, o estigma, o julgamento, a raiva, de outro, a autocrítica, a impossibilidade de controlar os pensamentos, o medo de não conseguir alcançar a “normalidade”. O que você fez de pior na vida? As cenas com o terapeuta oferecem algumas possibilidades, mas não nos parecem suficientes para auxiliar o pedófilo a ter uma consciência plena sobre si mesmo. Os 12 anos de prisão também não foram suficientes para que para ele pudesse se dar “conta” dos próprios limites e vislumbrar a possibilidade de realizar novas escolhas. Em gestalt-terapia, estamos atentos ao modo de integrar pensamento, sentimento e ação, de forma congruente. Chamamos de awareness, essa possibilidade de integração, de “dar-se conta”, o que torna possível o fluir saudável do ser em direção a sua autorrealização, possibilitando novas e criativas escolhas. O processo terapêutico visa favorecer ao cliente tal integração, sua totalidade. Por este motivo, a forma é priorizada em detrimento do conteúdo. Não é que não prestamos atenção ao conteúdo do discurso do cliente, no entanto, a forma com a qual o cliente diz ou faz, nos oferece a chance de sinalizarmos o que para ele não está claro ou consciente. As ferramentas utilizadas no processo terapêutico visam maior conscientização de seu movimento no mundo. Na trama, percebemos a luta interna de Walter, e alguns elementos que vão aos poucos possibilitando maior integração, aceitação, e, a ampliação de sua consciência sobre si e seu funcionamento no momento presente. Podemos considerar terapêutico, na trama, um conjunto de contatos nutritivos. Iniciando pela personagem Vicki, verificamos que a mesma constrói um vínculo que o possibilita aceitar a si mesmo, a partir da aceitação dela às imperfeições dele. Posteriormente, acompanhamos a possibilidade de deslocamento para outra perspectiva da situação, quando se torna espectador das cenas que são semelhantes àquelas vivenciadas por ele. O estigma, enfrentado no ambiente familiar e social, não o deixa esquecer seu tormento. E, por fim, no momento de crise e descontrole emocional, quando a situação favorece a repetição, ele encontra a oportunidade de dar “sentido” ao próprio funcionamento. A cena, na qual ele se depara com a criança no parque, transforma-se numa espécie de espelho, tal qual ocorre no processo terapêutico. Abrindo, assim, possibilidade de novas escolhas. Diante da forma cuidadosa e imparcial ao retratar a história de Walter, o filme se torna programação necessária para aqueles que trabalham com o ser humano. O drama oportuniza ao profissional a compreensão de outras possibilidades, ao retratar o sofrimento dos que podem ser atormentados por impulsos incontroláveis e inadmissíveis socialmente. Tudo isso torna imprescindível assistir ao filme, super recomendado!




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