terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Birdman

imageASSUNTO
Indústria cultural, indústria do consumo,  vivência de papéis, crise de meia-idade, relações familiares, afetivas e sociais.
SINOPSE
No passado, Riggan Thomson (Michael Keaton) fez muito sucesso interpretando o Birdman, um super-herói que se tornou um ícone cultural. Entretanto, desde que se recusou a estrelar o quarto filme com o personagem sua carreira começou a decair. Em busca da fama perdida e também do reconhecimento como ator, ele decide dirigir, roteirizar e estrelar a adaptação de um texto consagrado para a Broadway. Entretanto, em meio aos ensaios com o elenco formado por Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), Riggan precisa lidar com seu agente Brandon (Zach Galifianakis) e ainda uma estranha voz que insiste em permanecer em sua mente.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
imageDemorei muito a escrever sobre o filme, tamanho assombro que me provocou. Agora, como vencedor do oscar, não posso continuar protelando. Vamos lá: O filme é complexo, provocador, existencial, crítico, profundo. Podemos nos reter na história contada, de um ator em crise, diante da possibilidade de arriscar o sucesso, sendo quem ele é, sem máscaras. Não se trata de um filme sobre super-herói, embora ele seja mencionado. O papel de herói foi um dia pesado demais para o ator, que agora, em crise de meia idade, assistindo sua família desintegrar, decide arriscar ao estrelato vivendo um papel menos clichê e mais existencial. Se por um lado, a necessidade é se mostrar sem máscara, por outro há uma voz interna ameaçando a impossibilidade de ser aceito por seu talento real, de cara quase limpa. Seria a voz de seu ego ou o ser se desintegrava em surto psicótico? Os bastidores revelam as dificuldades reais de um projeto tão ousado, ambicionando retratar o “ser” em detrimento do “ter”, como reagiria a público? Trata-se apenas de uma crítica óbvia a indústria cultural cinematográfica de nossos tempos ou podemos nos aprofundar mais? No que é possível se identificar diante das angústias do protagonista?
Há um diálogo com sua ex-mulher digno de atenção, quando ela afirma que o mal dele é confundir desaprovação de um comportamento com falta de amor. A crise de meia-idade pode nos remeter para o desejo de retornar ao poder dos anos vindouros, quando nos sentíamos e éramos vistos como seres dotados de poderes infinitos? É difícil aceitar as novas formas de sermos vistos e percebidos por nós e pelos outros? É só do ator esse desejo de sentir-se amado, aplaudido, reconhecido? A indústria cinematográfica pode ser comparada com a indústria da beleza, que se aproveita desse desejo coletivo, buscando a volta no tempo através de produtos, procedimentos e cirurgias? Quantos de nós chegamos a um momento de cansaço de vivermos papéis sociais, despimos nossas máscaras e enfrentamos novas realidades? A proposta faz todo sentido até encontrarmos diversas frustrações diante daquilo que ainda esperam de nós. Os aplausos cessam. Novas perdas, a cada dia, assustam! Existem perdas e ganhos em nosso caminho, enfrentar a realidade é assumir nossa história com erros e acertos e seguir em frente. Não há cirurgia plástica que transforme nossa autoestima, ela se faz e refaz nos contatos verdadeiros, autênticos. Com uma forte crítica a Hollywood e também aos “ideais de felicidade” fabricados na contemporaneidade, Birdman nos fala também do rumo dos nossos desejos andando na contramão de nossas necessidades reais. Nesse aspecto, é preciso lembrar a recomendação da frase de economistas, que alertam “Antes de efetivar uma compra, se pergunte se realmente é uma necessidade. Você precisa do que está comprando?”. Transpondo tal afirmação para nossas necessidades psicológicas, encontraremos coerência. Quantos de nossos desejos são de fato nossos, ou melhor, são necessidades reais? Assim, o filme nos oferece a possibilidade de reflexão sobre a diferença entre necessidade e desejo, pois quando “compramos” a ideia de sucesso de acordo com o que é imposto no sistema, podemos adoecer. “A inesperada virtude da ignorância” fala da indústria cultural ou da indústria de consumo? De que consumo nós estamos falando? O personagem vivido pelo ator nos tempos de sucesso absoluto foi introjetado como seu censor, sua versão de sucesso, consumida como tal. A crise de idade está retratada em sua busca de algo significativo, ao mesmo tempo em que apresenta a dificuldade dele em se “afinar” ao universo virtual. As celebridades instantâneas, a oscilação entre realidades e fantasias, do que está por trás das “aparências”. No diálogo entre o protagonista e a crítica, há um forte questionamento sobre tudo o que é conceituado com facilidade: “Está vendo essa flor”, diz o personagem segurando uma margarida, “você consegue tocá-la e até mesmo sentir o cheiro dela. Provavelmente, você também tem um conceito para ela, mas nunca conseguirá SENTI-LA  de verdade”.  Atores da vida terão a oportunidade de entrar em contado com seus bastidores, seus fantasmas, as críticas e a realidade nossa de cada dia. Afinal de contas, falamos de um ator surtado ou de nossa crise existencial na hora de escolher viver o papel social ou nossa realidade?




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