quinta-feira, 24 de março de 2016

A linguagem do coração

ASSUNTO
Deficiência auditiva e visual, limite, relação terapêutica,familiar, afetiva e aprendizagem.

SINOPSE
Final do século XIX, França. Marie Heurtin (Ariana Rivoire) é uma moça que nasceu cega e surda. Vivendo em seu próprio mundo, sem conseguir se comunicar, o pai dela a manda para um convento que cuida de crianças surdas. Entretanto, devido à falta de condições para tratá-la, a madre superiora (Brigitte Catillon) a recusa. Graças à insistência da freira Marie Margueritte (Isabelle Carré), que diz que pode cuidar dela apesar de seu problema de saúde, a madre superiora volta atrás em sua decisão. Só que fazer com que Marie aprenda questões básicas de higiene e convívio com outras pessoas não é uma tarefa nem um pouco fácil.

TRAILER

O OLHAR DA PSICOLOGIA
Logo, o filme “Helen Keller e o Milagre de Anne Sullivan” foi lembrado, pois em ambos há a relação entre a criança com deficiência visual/auditiva com alguém que se disponibiliza a conectá-la ao seu entorno. Entretanto, o contexto familiar difere muito. Enquanto Helen tinha uma família que colaborava para seu isolamento, Marie tem outro contexto. Diante da situação de isolamento da filha, é o pai quem tem a iniciativa de buscar ajuda para socializá-la. A família tem consciência da necessidade de inserir a filha no universo social e na aprendizagem. Aqui, falamos de uma criança igualmente isolada, com um mundo próprio e um comportamento arredio, muitas vezes “animalesco”. Baseado em uma história real do final do século XIX, o longa apresenta a irmã Marie Margueritte, que embora tenha problemas de saúde, encontra naquela criança uma oportunidade de sua frágil vida ganhar sentido.  Socializar e educar aquela criança passa a ser um desafio para a religiosa, que enfrenta a madre superiora e as reações agressivas da menina, sem esmorecer. As cenas de confronto durante o processo trazem, a cada dia, um novo desafio, muitas vezes tornando sua tarefa um projeto aparentemente inviável. Ainda assim, apesar de todos os obstáculos e as repetidas reações agressivas, a irmã não desiste. Durante o processo de adaptação, a trama ressalta a importância do aprendizado da linguagem para o desenvolvimento do ser humano. A diferença aqui é que além do campo afetuoso da relação, temos também o aspecto religioso na construção da relação que liberta Marie do isolamento. A grandiosidade das cenas está na exploração dos sentidos, particularmente do tato, que aos poucos se torna um meio de comunicação primordial para ambas. Sim, Margueritte também aprende no encontro. Um dos aspectos mais bonitos na construção da relação entre ambas é a curiosidade da irmã em relação ao universo da criança. Ela tenta compreender como seria viver sem ouvir e sem ver, para partir de onde está a criança, de que lugar ela percebe o mundo. A empatia necessária para a criação do vinculo fica evidente. Tal aspecto torna a relação bastante terapêutica”, pois não há possibilidade de obter êxito numa relação psicoterapêutica, por exemplo, se o ponto de partida não for o lugar de onde a cliente se encontra no momento terapêutico. A incapacidade do profissional de perceber este lugar pode inviabilizar o processo terapêutico. A criança percebe o mundo desconhecido como hostil, tornar o universo social algo acessível e possível, ampliar o universo da criança (por consequência, também o seu), torna-se objetivo para a irmã.
Ambas são afetadas durante o processo, tal qual ocorre com a relação terapêutica entre psicoterapeuta e cliente. Tal perspectiva, não se esgota aí, pois a primazia dos sentidos é um dado primordial para o sucesso do projeto, tanto quanto o é no processo terapêutico, como acontece na abordagem gestáltica. Fritz Perls, o fundador da abordagem, já sinalizava como um dos objetivos da terapia a recuperação dos sentidos do cliente. Também destacava a importância do acolhimento na construção do vínculo, que por consequência afetaria o universo de ambos. Ainda que o foco seja o cliente, é incontestável que também o terapeuta pode ser afetado durante o processo, trazendo crescimento. Há conflitos e frustrações sucessivas, o que não impede o acolhimento oferecido pela irmã. Pequenos gestos e movimentos vão colorindo delicadamente a trama, que também toca os sentidos do espectador, favorecendo um olhar mais otimista sobre a vida. A superação diante das adversidades não é a única mensagem da experiência retratada, o filme fala também sobre amizade e perda. O processo de elaboração do luto oportuniza ao público refletir sobre a força do vínculo no processo de elaboração. Após ser superada e elaborada a dor da perda, Marie exibe claramente a “marca” deixada por aquele encontro. Sim, Marguerrite sobrevive no viver de Marie, partes incontestáveis daquele encontro integram o ser de da adolescente.  A importância das relações afetivas na construção do ser humano fica evidenciada. Repleto de imagens poéticas, coloridas, silêncios e melodias, ausências e presenças, o drama é capaz de afagar ao espectador. Ainda que existam cenas capazes de provocar o choro, é possível sair do cinema com a sensação otimista diante da vida e alguns questionamentos sobre nossas prioridades. Vale a pena conferir!


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