ASSUNTO
Bullying, solidariedade, luto, perdas, relações, familiares,
afetivas e sociais.
SINOPSE
Mary vai morar com o filho na África, mas ele acaba
morto, vítima de malária. Logo, ela conhece Martha, que também perdeu o filho para a doença. Juntas, elas vão tentar prevenir outras famílias deste mal e impedir que outras mães sofram da mesma forma.
morto, vítima de malária. Logo, ela conhece Martha, que também perdeu o filho para a doença. Juntas, elas vão tentar prevenir outras famílias deste mal e impedir que outras mães sofram da mesma forma.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Vamos começar pelo óbvio, falando de perda, de luto. Quando se
trata de um filho, a coisa fica mais complicada ainda. Como elaborar o luto da
perda de um filho? Preparem seus lenços, a trama apresenta a dor da perda de um
filho em dose dupla. Não é fácil acompanhar, muito menos viver. No filme,
encontramos duas personagens na mesma situação, ambas perdem seus filhos. Mas
como toda situação, cada qual tem sua particularidade, seu contexto. Mary
decidiu proteger seu filho de uma situação de bullying na escola. Atentemos as
questões pessoais de Mary. Depois de ser informada sobre o que acontecia com o
filho, ela percebe o quanto está distante dele e demonstra sentir-se culpada por
isso. Ao longo da trama, percebemos que a mesma sofreu com a ausência do pai,
que priorizava o trabalho antes da família. Com a percepção atravessada por sua
história, ela escolhe “corrigir” seu comportamento, indo com o filho para África
por seis meses. Seu planejamento inclui estudos, proteção, resgate da própria
história e aproximação do universo do filho. Durante seus primeiros momentos
junto ao filho, há uma crítica sutil ao mundo virtual, que tem ocupado o tempo
familiar, antes preenchido com as trocas familiares. Em outro lugar, somos
apresentados à família de Martha, senhora dedicada, que representa o papel claro
da mãe protetora. Seu filho querido, superprotegido e amado, decide se aventurar
também na África, se engajando num projeto de voluntariado. A África, lugar da
perda, é também lugar do encontro com a humanidade de cada um. A morte por
malária já faz parte do cotidiano dos africanos, pois em condições desumanas,
sem assistência suficiente ou possibilidades de prevenção, a doença se alastra.
Interessante, se compararmos a situação atual do EBOLA, receios a parte, temos a
ilusão de que acontecendo lá, tão longe, na África, não terá chance de nos
atingir. Somos evoluídos, temos melhores condições, etc. Como se não fizéssemos
parte do mesmo planeta, da mesma condição humana, da mesma rede. Assim também,
me parece, pensou o filho de Martha que se sentindo inatingível distribui as
pílulas entre as crianças, e, não tomou. Martha e Mary perderam seus filhos no
mesmo lugar, elas tinham em comum a dor dessa perda quando se conheceram. Ambas
precisavam elaborar seu luto, momento difícil que as conduziu para o local da
tragédia. Talvez, apenas talvez, ficasse mais fácil de compreender um
acontecimento tão fora da ordem natural das coisas. Embora aparente mais uma
resenha do que um artigo, tal introdução é importante para a compreensão do que
discutiremos a seguir.
A estória que se desdobra é ficção, mas faz uso de dados
reais, emoções e situações que não estão distantes de nós, nem fisicamente
(África), nem psicologicamente (dores humanas). O filme é tocante, sensível,
extremamente verdadeiro. Quando vemos a dor de ambas, a culpa, a necessidade de
compreensão do que não pode ser compreendido, nos solidarizamos com ambas. Como
deve ser difícil perder um filho, como compreender tal situação? Por outro lado,
ao me deparar com as dores e atitudes dessas mulheres, fiquei me perguntando
sobre nossas necessidades reais e as outras. Refiro-me àquelas que são
fabricadas pelo sistema “capitalista” que nos seduzem a cada instante, nos
afastando do real sentido das coisas. Fiquei refletindo sobre perdas e ganhos,
faces aparentemente opostas (polaridades), mas o que são de fato?
Complementares. Como ganhar sem perder? Qual o sentido de um sem o outro? Na era
da evitação da dor a qualquer custo, quando o controle da tristeza, da alegria
ou da beleza pode ser alcançado através de uma pílula ou um procedimento, como é
possível viver em plenitude? Nossos valores, como ficam? A lição dessas mulheres
retratadas no filme começa exatamente no foco da dor. É para lá que ambas se
encaminham, para o núcleo da dor, para o lugar onde a morte de seus entes
queridos tinha acontecido. O sentido tem lugar aí, não há dúvidas. Como tudo na
vida segue o fluxo de aberturas e fechamentos de ciclos, é preciso enfrentar o
fim para que um novo começo seja anunciado. Assim, acompanhamos o sofrimento de
ambas durante o processo de renascimento e descoberta de outros SENTIDOS. Uma
cena simpática retrata o momento no qual Mary está reunida com suas colegas
fazendo exercício. O assunto comum passa a não ter o menor sentido para ela, que
se dá conta do quanto perdia tempo e energia com coisas que não valia a pena. O
sentido das coisas começa a se revelar através de sua experiência. Aí, fico me
perguntando se é necessário que algo tão doloroso seja preciso acontecer, para
que tenhamos a coragem de olhar para o outro, o outro ao lado, o outro distante,
até mesmo àqueles da África. Estamos sempre achando que não acontecerá conosco,
que não temos nada a ver com isso ou aquilo, até quando? Nesse aspecto, o filme
fala de solidariedade, fala também da necessidade de enfrentarmos a dor, de nos
abrirmos para a dor do outro, de nos percebermos como parte dessa rede que nos
conecta indefinidamente. De fato, o filme nos alerta para a necessidade de
estarmos atentos a esse todo, pois, querendo ou não, fazemos parte dele. Por bem
ou por mal, em algum momento teremos a chance de perceber o sentido das coisas.
Sentir é extremamente complexo e necessário, é verdadeiro em sua plenitude, não
há prazer sem termos conhecido a dor, faz parte dessa totalidade, temos que
enfrentar, isso é a vida. E, o valor da vida está em sua plenitude, é através
das perdas que valorizamos nossos ganhos, não há outro caminho. Às vezes, a dor
é insuportável, às vezes precisamos, sim, de medicação. Outras vezes, um ombro
amigo. Entretanto, ambos são apenas suporte para o momento de enfrentarmos.
Pois, o suporte nos ajuda a recobrarmos nossa própria força. Só assim, temos a
chance de alcançar outra etapa, outro ciclo, outro começo. Infelizmente, muitos
de nós preferimos a distância, seja da dor própria ou do outro. Manter-se
inatingível é a solução? Em tempos de EBOLA, de falta de água, de transformações
tecnológicas, de medicalização das emoções e tantos ideais fabricados, o que de
fato faz sentido? Creio que a trama toca em questões muito comuns e ao mesmo
tempo particulares. Deixe-se tocar!
Fiquei muito tocada. E achei ótima sua análise, faz todo sentido pra mim. No momento como posso enviar redes para mosquiteiros para África!
ResponderExcluirElisa tem o site vou passar para você https://www.malarianomore.org
ExcluirTambém fiquei muito tocada nos faz refletir e sair da nossa caixa. Um beijo pra vc!