domingo, 15 de julho de 2012

Para Roma com amor

clip_image001ASSUNTO
Adultério, identidade, culpa, escolhas, relações afetivas, familiares e sociais, polaridades, “sociedade do espetáculo”.
O filme proporciona boas gargalhadas, mas não é só isso. Claro que não, falamos de Woody Allen, portanto há sempre um toque crítico e mágico que nos faz refletir. Roma é palco de quatro diferentes tramas, que exploram alguns dramas existenciais contemporâneos, de forma bem humorada.
SINOPSE
O longa é dividido em quatro segmentos. Em um deles, um casal americano (Woody Allen e Judy Davis) viajam para Roma para conhecer a família do noivo de sua filha. Outra história envolve Leopoldo (Roberto Benigni), um homem comum que é confundido com uma estrela de cinema. Um terceiro episódio retrata um arquiteto da Califórnia (Alec Baldwin) que visita a Itália com um grupo de amigos. Por último, temos dois jovens recém-casados que se perdem pelas confusas ruas de Roma.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
O embate entre o pensamento americano e europeu pode ser visto na estória em que Allen faz o papel do sogro paranoico. Diante daquela família Italiana que tanto lhe desagrada, o profissional (como sempre: neurótico e fracassado) encontra uma possibilidade de passar a limpo suas frustrações profissionais. Por acaso, escuta o pai da noiva cantando no chuveiro e se encanta com a voz do indivíduo. Até então, ele não tinha ideia de que o chuveiro era contexto necessário para que o canto existisse. Interessante notar que o pai do noivo trabalha com a morte, ou seja, é dono de funerária e que no momento em que está debaixo do chuveiro solta sua voz. Para realizar um espetáculo grandioso e manter o espaço seguro do cantor, é necessário adaptar o cenário à necessidade do artista. As cenas que garantem boas gargalhadas me fizeram refletir. Nesse mundo do espetáculo, onde há necessidade de nos adaptarmos às transformações sucessivas, como seria possível acontecer o contrário, ou seja, fazer com que o mundo se adapte às minhas neuroses. A proposta fantasiosa da trama nos convida a pensar em um ponto de equilíbrio mais flexível.


Na trama em que Alec Baldwin participa, existem duas possibilidades válidas para seu personagem. Trata-se de um encontro entre um arquiteto de sucesso e um estudante, em um momento de escolhas. É possível que a estória seja a imaginação do mais velho, que tenta com isso resgatar o que perdeu com suas escolhas impulsivas. Entretanto, também é válido o contrário, o mais velho ser imaginação do outro, representando seu conflito interno, uma voz interna, ora incentivando ora reprimindo seus movimentos. O pai da Abordagem Gestáltica, Fritz Perls, observou uma divisão interna do ser em situações de conflito, entre o social e o biológico, sendo representado pelas polaridades dominador e dominado. O jovem arquiteto se apaixona pela melhor amiga de sua mulher, há um conflito entre o biológico (seu desejo) e o Social (não é aceito socialmente). Então, o diálogo constante com o famoso e experiente arquiteto, que às vezes é conselheiro e às vezes é provocador, pode representar tal embate. Já no olhar psicanalítico, o conflito entre o desejo e a culpa torna o personagem de Baldwin o representante “de duas instâncias psíquicas, conceituadas por Freud em 1923: o id e o superego”. Em sua crítica, Pedro Moreira, explica:
“O id, a grosso modo, regido pelo princípio do prazer, busca descarregar seus conteúdos, busca o gozo, é amoral; já o superego – filho edípico – é a instância que se encarrega de moralizar o ego (fronteira do corpo com o objeto), impõe ideais de ego a partir de exigências originalmente parentais e posteriormente sociais. O personagem vivido por Alec Baldwin no filme é conceitual, ele representa ao mesmo tempo o id e o superego, ao mesmo tempo que instiga, ele inibe. Suas provocações são sempre sucedidas de proibições, em um ciclo alternante no seu contato com Jack, personagem vivido por Jesse Eisenberg. Este é a encarnação da terceira instância – rapidamente conceituada entre parênteses acima – da segunda tópica: o ego.” (leia mais, clicando  em Blog de cinema).
Roberto Benigni (A vida é Bela) é Leopoldo, um trabalhador comum, que repete sua rotina diária com previsibilidade até ser transformado em celebridade instantânea. O absurdo da trama me fez pensar na sociedade do espetáculo, onde a mídia passa a ditar comportamentos. Leopoldo se espanta diante de tantas mudanças que lhe roubam a privacidade, mas também lhe conferem novos privilégios. É preciso se adaptar rapidamente às sucessivas transformações, que cessam assim que outra celebridade é descoberta. Em um primeiro momento é fácil ver o alívio de Leopoldo, que pode voltar a sua vida normal e segura. Entretanto, o que a princípio parecia ser um conforto, transforma-se em angústia ao perceber que não é mais reconhecido nas ruas. As polaridades dentro/fora, eu/outro, se revelam na busca de identidade do ser, que encontra no equilíbrio de forças a consciência de si mesmo. Há aqui uma crítica irônica sobre o mundo das celebridades e a perseguição midiática.
Em outra história, Antonio e Milly são ingênuos provincianos recém-casados que chegam em Roma com a promessa de enriquecer trabalhando com parentes abastados. Aqui surge Penelope Cruz, como a prostituta que ao acaso aproxima-se intimamente de Antonio. Enquanto isso, Milly se perde e se encontra num mundo distante de sua realidade, na efervescente metrópole. A glamorosa Roma se torna convite para o adultério, que ocorre marcando o conflito existencial entre o desejo e a culpa, tão comum nas tramas de Allen. Aqui, entre erros, acertos, traições, impulsos e possibilidades, o casal escolhe (ou são impelidos a escolher) não correr mais riscos. A escolha do casal é apagar (sumir com) o adultério, não assumir responsabilidade alguma e retornar ao Universo seguro e conhecido na busca de um FINAL DELIZ. Ainda que não seja o melhor segmento, a estória oferece material para reflexão sobre diferentes formas de traição: a si mesmo, ao outro, aos nossos princípios...
Como todo filme de Woody Allen, as tramas estão recheadas de conceitos psicanalíticos, explicitados ou não. Entretanto, o que me chamou atenção foi sua forma de contar as estórias. Os exageros estão presentes, a todo o momento, nos colocando entre o real e o fantástico mundo, tão fantasioso que beira ao ridículo. Na abordagem Gestáltica, o exagero é ferramenta para que o cliente se dê conta de um ou outro movimento. Ou seja, quando pedimos que o cliente exagere em um movimento que já está acontecendo, oferecemos a oportunidade dele se dar conta do seu funcionamento no mundo. Assim, ele amplia a consciência de si mesmo e tem a oportunidade de realizar novas escolhas. Assim também me pareceu Roma com amor, que me fez rir bastante, principalmente com as cenas ridiculamente exageradas sobre os temas propostos. Entretanto, também me fez refletir sobre Guy Debord e seu conceito de "Sociedade do Espetáculo". Segundo ele, a pressa vertiginosa da neurótica e crônica falta de tempo do cidadão da sociedade hipermoderna, exclui dele o apreço pela reflexão e pelo exercício da consciência. A Sociedade do espetáculo se caracteriza pela produção de uma falsa experiência da realidade, que não encontra nenhuma associação com a dinâmica da vida concreta na qual estamos inseridos cotidianamente. “Apareço, logo existo” é o pensamento que rege o espetáculo. Trata-se de uma verdadeira religião terrena e material, em que o homem se crê governado por algo que, na realidade, ele próprio criou. Indicado para rir muito, refletindo ou não, vale a pena conferir!

7 comentários:

  1. Ellen Page ficou na minha cabeça deste "Juno" onde estrelou brilhantemente junto ao Michael Cera. Desde então sinto que apanhei um mal habito em ver as belíssimas, naturais e simplíssimas aparições dela (é boa no que faz).
    Mesmo que dure uns meses para poder ter o privilégio de ver esse filme, valerá a pena esperar.
    Outra pessoa que valera e muito ver neste filme é sem sombra de dúvida a Penélope Cruz (não sei se assanhada "como parece ser pelo menos no trailer" vou curtir ve-la, + vamos esperar) dela não esqueço o Espanglês com Adam Sandler, e outro filme que ela fez com o Murilo Benício » Woman on Top (br: Sabor da Paixão / pt: Mulher por Cima) [a serenata do toninho que bom » quero fazer uma também, só que falta mulher e auto-estima da minha parte].
    Jesse Eisenberg não me convida muito a ver » Dica 1: tem a ver com Rede Social. Dica 2: me parece assustado, Dica 3: É ....

    Abraço.
    Emílio Calandula [@eCalandula]

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    1. Emílio, não perca o filme, você vai amar. Mais uma vez, obrigada pela participação!

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  2. Obrigada pela visão perfeita do filme. Eu que sou estudante de psicologia, cinéfila de carteirinha e apaixonada por Woody Allen fiquei com mais vontade de ver do que ja estava! Gostei muito do seu meio de trabalhar com filmes. Se tiver algum tmepo e interesse gostaria de conversar mais sobre seus métodos para me ajudar na própria formação de psicologa.

    Obrigada e meus parabéns pelo site!

    Rebecca Moura

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    1. Rebecca,
      Obrigada por seus comentários, seja bem vinda. Na pagina do facebook eu tenho partilhado alguns dos filmes aqui postados. Dê uma passada por lá, basta clicar no link do face, na coluna direita. Quanto ao tempo, entre em contato.
      bjokas

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    2. Obrigada Patrícia! Ja curti o faccebook, vou acompanhar e olhar por la.

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  3. Vários filmes do Woody Allen são discutidos no meu livro: "Cinema e loucura: conhecendo os transtornos mentais através dos filmes", Artmed, 2010.

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    1. Elie,
      Seu livro já está em minha lista de aquisições. Aliás, já compartilhei na página do facebook, indicando o livro. Logo que puder, vou ler tb. Obrigada pela participação, volte sempre!
      Abçs

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