quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Elles

clip_image001ASSUNTO
Prostituição, relações familiares, afetivas e sociais, pesquisa e trabalho de campo
SINOPSE
Jornalista de uma grande revista voltada para o público feminino, Anne (Juliette Binoche) trabalha em uma matéria sobre a prostituição estudantil. Ela consegue os depoimentos de duas estudantes de Paris, Alicja (Joanna Kulig) e Charlotte (Anaïs Demoustier), que abrem suas vidas sem pudor ou vergonha. Tais confissões acabam ecoando no dia a dia de Anne e interferindo em seus relacionamentos pessoais.Seus encontros com duas as inquietante, movendo-a a questionar suas convicções mais íntimas sobre a família, dinheiro e sexo.
TRAILER (Recomendado para maiores de 16 anos)
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Em geral, as críticas exaltam o trabalho da atriz Juliette Binoche, mas reprovam o roteiro, considerando-o fraco e pouco aprofundado nos temas que propõe. De fato, nada é aprofundado o suficiente. Tem um gosto de reticência, que nos deixa espaço para pensar e repensar nos fatos óbvios que nos fogem à percepção cotidiana. Portanto, temos, sim, alguns assuntos para discutir. No início, pensamos se tratar de documentário, devido ao seu foco, que parte das entrevistas feitas pela repórter. Embora a prostituição seja tema das entrevistas, há outra perspectiva no enredo e do assunto prostituição. As garotas escolhem permanecer na profissão, mantendo vida dupla, escondendo a atividade de prostituta dos próximos. Não há qualquer julgamento moral. Por outro lado, a profissional repórter é também pessoa, que com suas questões pessoais influenciem até mesmo as perguntas que faz.
Isso tudo me fez pensar no trabalho de campo e a impossibilidade dessa tal imparcialidade ou neutralidade que é esperada. Todo trabalho, também o do psicólogo - seja no set terapêutico ou em outro espaço profissional, inclui a pessoa que sempre irá “emprestar” um tanto do seu próprio mundo, o que ficará impresso no resultado final. Sim, certamente buscamos a neutralidade durante o processo, mas ninguém está isento de ser afetado pelo mesmo, é preciso que o profissional tenha consciência dessa dimensão. Durante o processo terapêutico, por exemplo, ambos são afetados, cliente e terapeuta. A experiência adiciona algo ao mundo pessoal de ambos. No entanto, há uma linha fronteiriça tênue que perpassa o mundo pessoal de cada um. O universo pessoal do terapeuta é parte da ferramenta necessária, sim, desde que seja aplicada em função do processo do cliente, pois o foco é este. Portanto, é sempre necessário que qualquer profissional tenha algum suporte que o auxilie a identificar esta fronteira. No filme, Anne recebe as respostas com certa imparcialidade, mas não está livre de ser afetada. A sexualidade feminina é apresentada em função da masculina, isto ocorre devido ao caminho das entrevistas, que focam mais os gostos masculinhos e quem são os personagens que as procuram. Suas questões pessoais relacionadas ao marido acabam por influenciar suas perguntas. O momento de tédio em sua vida pessoal faz com que o trabalho se torne o foco principal, sem que Anne se dê conta do quanto se misturam no processo. O poder de sedução das prostitutas passa a evidenciar tudo aquilo que não queria ver até então. As entrevistas, o trabalho em si, são pano de fundo para trazer a tona suas frustrações e seu comodismo. Seus desejos mais profundos, até então reprimidos, ganham vida. Como aponta Marcelo Leme “...Capaz de absorver os detalhes das entrevistas levando a aspectos de sua rotina, relação com o marido, filhos e o trabalho, Anne se apropria dos discursos percebendo-se atada a frustração pessoal, algo que ela não via, ou pelo menos não queria ver. Sua compreensão arrasta-se até um jantar em que ela mesma prepara numa noite a fim de recepcionar o chefe do marido. Essa construção é banhada de metáforas e referências por vezes libidinosas, constatando sua nova condição consciente.” (leia mais clicando aqui.)
O colega Hugo Ramon indicou o filme. Na ocasião, apontou o comentário de Neusa Barbosa, Cine web, da crítica que transcrevo alguns trechos a seguir:
“Não raro, a atriz francesa Juliette Binoche dá asas a projetos que, sem ela, jamais decolariam. (…) De todo modo, é possível perceber falta de sutileza na maneira como a diretora conduz este contraste, reduzindo a clichês as tentativas de Alicja para escandalizar a refinada Anne sobre as ousadias que ela relata viver com seus clientes, enquanto tenta embebedar sua interlocutora. (...) Charlotte parece uma personagem mais verdadeira, que expõe com mais sinceridade as contradições de sua situação, que se tornam palpáveis na tela, como suas revelações sobre um desastroso encontro com um cliente sádico (Andrzej Chyra) e seus almoços com os pais carinhosos e normais (Valérie Dreville e Jean-Louis Coullo'ch) - desmontando um outro clichê sobre a prostituta que viria, necessariamente, de um meio familiar problemático. (...) O aspecto em que o filme se revela mais frágil é quando tenta retratar o conflito que se insinua entre Anne e o marido, que tem uma história anterior à sua reportagem com as prostitutas mas se acirra justamente devido ao teor de intimidade das conversas da jornalista com elas - que a fazem entrar em contato mais profundo com sua insatisfação emocional.” Para ler a crítica completa, clique aqui.
A obviedade dos fatos e as reticências que fazem com que os críticos de cinema se decepcionem, é o que nos permite abrir espaço para constatar a vida como ela é. Simples assim. Não há relações causais dramáticas que possam justificar a escolha da prostituição, nem reprovação ou aprovação. O retrato da vida de uma mulher acomodada ao seu cotidiano, produto de escolhas não revisadas, são questões óbvias demais, consideradas clichês. No entanto, sempre é bom ter a oportunidade de ser tocado em nossas questões, que por vezes são tão óbvias que não nos damos conta. Assim como Anne teve a oportunidade de se reconhecer, o filme pode também oferecer como opção, mexer com pessoas  imersas em seus clichês. Vale a pena conferir!







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