quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Um divã para dois

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ASSUNTO
Relação terapêutica, sexualidade,  conflito familiar, relações afetivas e familiares, terapia de casal.
SINOPSE
Kay (Meryl Streep) e Arnold Soames (Tommy Lee Jones) estão casados há 31 anos. O relacionamento entre eles caiu na rotina e há tempos não tem algum tipo de romantismo. O sexo entre eles acabou faz tempo, e cada um segue a sua rotina entediante dia após dia. Eles poderiam continuar assim por mais algumas décadas. Mas Kay decide reagir. Querendo mudar a situação, Kay agenda para ambos um fim de semana de aconselhamento com o dr. Feld (Steve Carell). O Dr. Bernie é um famoso terapeuta de casais que já resolveu muitos casos complicados. Quando Kay finalmente consegue arrastar seu teimoso marido para a terapia, nunca mais nada será como antes, pois dividir o mesmo divã com o marido será mais complicado do que dividir a mesma cama. A surpresa é que, as consultas com o terapeuta  acabam servindo como um meio de o casal se conhecer novamente, após anos de intimidade.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Muitos se verão retratados em cenas do filme. Quando falo muitos, não me refiro somente aos casais na mesma situação (muitos anos de casados), mas em relacionamento de todas as idades. O filme fala do que não é dito, do que está reprimido, e, isto ocorre em muitas relações, de formas diversas. Só por isso já valeria a pena indicar a trama, mas o filme oferece mais. Então, vamos por partes.
A aparição do ator Steve Carell pode fazer com que o espectador espere uma comédia estilo comercial, ledo engano. Logo, somos apresentados a um psicoterapeuta de casal, sério e comprometido com seu trabalho. Gostei do termo usado em uma crítica que dizia que o ator serviu de escada para os personagens Arnold e Kate discutirem a vida. Não porque concorde com essa afirmação em relação aos atores, nem tenho formação para avaliar tal questão, mas por encontrar no termo uma boa descrição para o papel do psicoterapeuta. Sim, no processo terapêutico, nós psicólogos servimos de escada para as questões e soluções dos clientes que possam emergir. No filme, tal qual ocorre no set terapêutico real, o psicoterapeuta tem a função de provocar o casal a sair do rascunho e passar suas vidas a limpo. Não se trata apenas de um intermediário ou conselheiro, mas um profissional que se torna ferramenta para favorecer a ampliação de possibilidades na vida dos clientes. O fato de se perceberem como estão funcionando abre novas opções de escolha, o que possibilita mudanças reais.

O filme acaba por oferecer reflexões diversas em sua proposta. No que tange ao Universo feminino, falamos de mulheres de todas as idades, pois além da sexualidade reprimida, muitas mulheres se anulam em outros aspectos quando se apaixonam. Seus objetivos estão sempre, como diz a personagem, focando projetos futuros: casar, ter filhos, educar, formar, etc. E o que dizer das paixões avassaladoras que fazem com que muitas se esqueçam de si, entregando-se à relação ao ponto de, com o tempo, não saberem mais dos próprios gostos? O universo feminino íntimo de uma mulher de meia idade não está muito distante de outras muito mais jovens, então. Sonhar faz parte da vida, mas não podemos perder o momento presente. Mas quando desistimos de sonhar, o agora se torna incômodo, nos sufocando com a falta de movimento. Ela percebe que seu mundo parou, mas não se acomoda, segue em busca de algo que a faça sonhar outra vez.
Quando o filme toca no universo masculino, também somos convidados a refletir a respeito de situações comumente vivenciado por eles. Na trama, o maridão acomodado e durão resiste às investidas da esposa. Arnold se conforma com a relação morna e seu cotidiano previsível, de certa forma se nega a olhar para as possíveis questões. Quando percebe a possibilidade de perder o pouco que lhe resta, sente-se ameaçado. Aí, sim, tenta aderir à proposta. Entretanto, falar de sua intimidade a um estranho se mostra mais difícil do que poderia prever. Características como teimosia e negação, revelam a dificuldade masculina de lidar com emoções e situações nas quais não tem controle. E cada passo do processo o torna mais propenso a desistir do projeto, e nova ameaça de perda surge, fazendo com que retome o esforço de tentar outra vez.
Para maior aprofundamento sobre psicoterapia de casal, sugiro que leiam o post sobre o assunto em Psicoterapia de casal. Por ora, me contento em comentar sobre a proposta terapêutica apresentada no filme. Não é raro encontrarmos a opção de um contrato com o prazo programado para o atendimento do casal. Há também opções de encontros de casais, onde em grupo, os trabalhos são direcionados para uma intervenção pontual, favorecendo a troca de experiências “entre os” e “nos” casais. Entretanto, é preciso salientar que, como no filme, muitas vezes é preciso dar continuidade ao processo dependendo das questões e soluções que surgem durante o trabalho.
“Todo dia ela faz tudo sempre igual...” deixa de ser o verso de uma linda música, se revelando como uma das pedras o caminho do casal. O casal em questão, como tantos outros, têm ideias diferentes a respeito da situação. Existe o casamento dela, o casamento dele e aquele que deveria ser de ambos, em comum acordo. No entanto, a dificuldade de comunicação, a distância afetiva e física já se instaurou, o que parece, a princípio, incomodar somente a parte feminina. O terapeuta, então, propõe alguns exercícios que farão com que ambos enfrentem a própria realidade. As perguntas sobre sexualidade surpreendem os clientes, que aos poucos vão revelando desejos reprimidos e a dificuldade de lidar com o tema. O casal “íntimo” transparece o quão estranhos de fato são, pois na cena do abraço o desconforto de ambos se faz presente. A partir de então, quando o estranhamento se torna consciente, abre-se um caminho para o resgate desse outro que deve ser conquistado. Esse “outro” sai do lugar imóvel na relação, passando a alguém que pode ser perdido, que não se tornou propriedade imóvel com o tempo de contrato matrimonial. O papel do terapeuta é mesmo o de provocar o casal a rever seu contrato e avaliar seus desejos mais íntimos, partilhando mais autenticidade.
A relação terapêutica apresentada no filme não foge muito da realidade, ainda que a forma de conduzir uma terapia se revele de forma pessoal e se desdobre no vínculo, no encontro do terapeuta com os clientes, de acordo com o material que é revelado. Também não é difícil que os terapeutas proponham alguns exercícios, desde que estes possam favorecer o processo. Não pretendo avaliar o trabalho do terapeuta retratado na trama, pois a proposta mostra possíveis passagens do setting terapêutico, o que é diferente de um estudo de caso. Ao retratar a terapia de casal, o filme abre um caminho para que, outros casais em crise possam também procurar ajuda profissional. No geral, o filme alerta para a possibilidade de qualquer relacionamento estacionar no tempo e espaço, transformando a rotina do casal em algo capaz de sufocar a individualidade dos envolvidos. Desejos reprimidos, frustrações matrimoniais, sexualidade, intimidade, distanciamento, comodismo, emoções contidas e outros assuntos são discutidos na trama, que nos oferece a oportunidade ímpar de acompanhar de perto algumas possibilidades da terapia de casal. Embora retrate conflitos de um relacionamento de 31 anos, o filme é indicado para outras idades, pois fala de possíveis erros e acertos de qualquer outro tipo de relação humana, confira!










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