quarta-feira, 30 de julho de 2014

Eu, mamãe e os meninos

clip_image002ASSUNTO
Relações familiares, afetivas e sociais, sexualidade, homossexualidade, autodescoberta, identidade, gênero, construção de personagem do ator.
SINOPSE
Concebido, dirigido e protagonizado pelo comediante francês Guillaume Gallienne, o filme autobiográfico tem início num palco de teatro, onde a ideia ganhou espaço pela primeira vez numa peça de sucesso na França. Guillaume tem uma história de vida curiosa: quando era criança, sua mãe autoritária sempre pensou que ele fosse diferente dos irmãos, e decidiu criá-lo como uma garota. Anos depois, já adulto, ele relata a relação complicada que tinha com o pai, os maus-tratos dos colegas de escola e seus primeiros amores. Depois de várias confusões e histórias engraçadas, Guillaume decide fazer uma peça de teatro para contar como consegui finalmente fazer as pazes com a sua sexualidade.
TRAILER
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O OLHAR DA PSICOLOGIA
Ah, como “EU, MAMÃE E OS MENINOS” é divertido, sem deixar de provocar diversas reflexões sobre diferentes perspectivas do desenvolvimento humano e a importância das relações familiares em nossa constituição. Trata-se de uma comédia dramática, que escolhe uma abordagem, que não se esgota no tema “homossexualidade” ou “sexualidade”. O filme fala sobre autoconhecimento, intolerância homofóbica, gênero, definição da identidade, julgamento, e, obviamente, relações familiares. Há diferentes formas de olhar os temas desenvolvidos na trama, de tão rica que é. Por exemplo, os que são atores encontrarão um verdadeiro laboratório de expressão artística, o que é uma deliciosa homenagem ao processo de formação de ator. Já dentro das abordagens psicológicas, é possível encontrar também diferentes olhares, o que pode confirmar o merecimento de seus prêmios. Para a abordagem gestáltica, a visão de homem é a que considera a totalidade organísmica, ou seja, o homem em relação com o meio ambiente (pessoas/mundo). Não há como olhar o ser, sem que seu contexto seja incluído. Sendo assim, o desenvolvimento do ser humano acontece durante os contatos que realiza desde o nascimento. Obviamente, os pais, sendo os primeiros contatos relacionais do ser, fazem parte da construção primária da identidade. O titulo do filme é justificado na frase que a mãe usa ao chamar os filhos: “Os meninos e Guillaume, à mesa”. O que retrata clara diferenciação do olhar da mãe, que o exclui da categoria “meninos”. A mãe se revela dominadora, sem com isso deixar de ser admirada, idolatrada e bastante imitada pelo filho, que aceita de bom grado o lugar destinado a ele pela mãe. A trama sugere que a mãe projeta nele o desejo ser mãe de uma menina.
É sabido da importância da relação mãe-filho, por ser o primeiro contato do indivíduo com o mundo, ao mesmo tempo em que é também a primeira sensação de perda. O bebê vai perder a sensação de completude, no mesmo momento em que se percebe como pessoa, indivíduo, então separado da mãe. A inauguração de sua existência está atrelada a primeira perda, portanto, durante o processo de autonomia, a relação mãe-filho traz marca forte na existência. No filme, o protagonista parece corresponder às expectativas da mãe, repetindo movimentos e expressões dela e de suas amigas. É impressionante a forma como ele observa e repete tudo que admira nas mulheres, o que provoca reações adversas do restante da família. Ele não se adapta aos hábitos “masculinos” e se encanta com atividades que são consideradas do universo feminino. Sendo considerado como homossexual, então, enfrenta diversas situações de preconceito. O pai homofóbico o considera doente, obrigando-o a frequentar psiquiatras, psicanalistas e o envia para lugares distantes, a fim de evitar situações constrangedoras. A viagem se torna momento de busca de si mesmo, uma separação necessária que pode auxiliar em seu processo de autonomia e definição da própria identidade. Ao perceber que é considerado como efeminado, devido aos modos de se portar e suas preferências por atividades “femininas”, o rapaz segue sua busca, tentando confirmar tal “rótulo”. Espanha e Inglaterra simbolizam o contato com outras culturas, universos diferentes do que conhecia até então, o que poderá ampliar suas potencialidades. Ele tenta vivenciar o papel que lhe fora atribuído pelo olhar do “outro”, o de homossexual, incluindo a tentativa de flertar com rapazes, sem muito sucesso. Mas, a frase de uma de suas tias, é o que favorece a possibilidade dele descortinar-se, descobrir-se, identificar-se. Ela afirma que somente quando Giulliaume se apaixonar, por homem ou mulher, é que será possível ter certeza da própria sexualidade. Considero que é uma das melhores sacadas da trama, pois ao agirmos de acordo com o que nos foi dito, no que acreditamos de pronto, sem que a experiência que aquilo tenha “sentido” para nós, seja uma informação devidamente assimilada, não há autenticidade saudável. Trocando em miúdos, estamos em processo de “ser-sendo-no-mundo” através de contatos sucessivos, que nos constituem constantemente. Entretanto, dentro da relação homem/mundo, há o que representa mundo (pessoas, situações, ambientes) e o que representa o homem (sensações, necessidades – fisiológicas e psicológicas). Ainda que o ser possa trazer forte pressão de seu contexto (meio), este não é suficiente para determinar o ser. O processo de desenvolvimento/autonomia requer o equilíbrio entre as duas forças. Assim, consideramos a adolescência um momento crucial no processo de separação do que é meu e o que é do outro, pois é também momento de experimentar o mundo, dando sentido próprio ao que até então tinha sido considerado como verdadeiro, sem que não fizesse parte dos nossos sentidos. Assim ocorre com o rapaz em sua viagem de autodescoberta, ele mergulha nas experiências com todos os sentidos, passando a “des-cobrir” quem está sendo. Muitos irão se surpreender com o desfecho da trama, que dá um tapa de luva de pelica em conceitos e pré-conceitos arcaicos que permanecem contaminando mentes dos que ainda se dizem esclarecidos. Como já comprovado cientificamente, a sexualidade não é uma questão de escolha, não há como direcionar o desejo do ser humano apenas por seus trejeitos, aparência ou gênero.
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