segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Cercas/ Um limite entre nós


ASSUNTO

Racismo, relações familiares, afetivas e sociais, crise existencial e social.

SINOPSE

Baseado na aclamada e premiada peça teatral homônima, um jogador de beisebol frustrado (Denzel Washington), que sonhava em se tornar um grande jogador durante sua infância, agora trabalha como coletor de lixo para sobreviver. Troy terá de navegar pelas complicadas águas de seu relacionamento com a esposa (Viola Davis), o filho e os amigos.


TRAILER


O OLHAR DA PSICOLOGIA

A primeira palavra que me veio à mente foi ‘amargura’, e, no desdobrar da trama, ‘poesia’. Como é que duas palavras assim tão antagônicas podem preencher o enredo? Só assistindo para compreender. Troy é complexo, uma pessoa frustrada, ferida, amarga. Acompanhamos sua forma “engessada” de viver, e, sua dificuldade de lidar com o mundo e consigo mesmo. Ele é produto de uma história dura, transborda discursos intermináveis, sobrevive em uma armadura de valores rígidos, que muitas vezes o impede de entrar em contato com as emoções. O título do filme é uma metáfora. O limite das CERCAS é uma questão de honra, é obrigação, proteção e prisão. Os “deveres” contornam seu discurso, principalmente quando se refere à educação que impõe aos filhos. Não, ele não é de ferro, nem consegue sobreviver segundo seus próprios princípios. As relações familiares são ora poéticas ora extremamente rígidas. O amor está no ar, de uma forma difícil de capturar.  Dos vários irmãos dele, sobrou o contato com Gabriel, um sobrevivente com sequelas da guerra. Gabe pode ser problema, mas também solução. Com a amorosa esposa, Troy consegue ser agradável, ela que lhe dá suporte, ao mesmo tempo em que contém seus excessos. O amigo Bono é parceiro de jornada, bom ouvinte, respeitado e querido. Como muitos pais, não há lugar para o desejo dos filhos, sua receita de vida basta para impor suas crenças e valores. Ao relatar sua infância, Troy revela sua dor, a ausência de afeto, a imposição de obrigações com a família. Ele não aprendeu a amar, sua trajetória lhe deixou cicatrizes, que não quer deixar para o filho caçula. Entretanto, suas escolhas não foram as melhores. Preso a própria experiência, Troy não admite outras possibilidades. Impedimentos fazem parte da sua cerca, não lhe é permitido ouvir, ver, sentir novas perspectivas para os seus. “Cercas”  é um filme sobre relações familiares, sobre nossa relação com a família de origem, sua influência em nossa família e vida atual.
O drama fala da necessidade de atualização, de fazermos novas escolhas, de possibilidades. O que nossa história faz conosco e o que fazemos com isso? Sim, é sobre a vida como ela é, com seu bônus e ônus. Racismo, tragédias familiares, família disfuncional, marginalidade, deveres, conflito entre gerações, opressão e tantos outros temas são pincelados na trama. Embora afirme que não há obrigação de amar aos filhos, pois sua responsabilidade é alimentar, vestir e educar, suas ações são atos de amor, a opressão foi apreendida como tal. Não há facilidade em expressar emoções, mas em seu jeito torto de educar há um propósito de amor, a intenção de que os filhos não repitam seus erros. Ele não percebe que para tanto, repete exatamente o que mais o machucou. Negar a própria história o priva de reconhecê-la como parte do passado, dificulta a possibilidade de virar a página e ter abertura para o presente. Sua inflexibilidade é suavizada com outros personagens. A esposa demonstra sua potência com amor, carinho e vigor, quando necessário. A amizade de Bono oportuniza clareza. O filho mais velho Lyons persegue a música,  o que sugere uma trajetória de fuga para a austeridade paterna.  Já Cory, ah, esse é o filho que espelha  Troy, é seu “calcanhar de Aquiles”, é o que repete  tudo que não deseja. E o desenrolar da trama proporciona ao público diferentes reflexões sobre a própria história e suas escolhas. Sobre as relações entre desejo pessoal e a individuação dos filhos. Sobre o contraste entre o discurso e a prática. Sobre aprender, desaprender e reaprender. O drama fala de questões sociais, raciais, familiares, filosóficas e pessoais.   Ainda que a trama seja atravessada por “rigidez”, proporcionada pelo espaço Troy, o contraste poético fica por conta, não só da esposa e do amigo, Gabe colabora muitíssimo para seu desfecho poético.  Não há como desconsiderar a riqueza da obra, que torna a experiência uma viagem pessoal e universal, vale a pena conferir!


2 comentários:

  1. Eu assisti o filme e gostei demais da obra, me levou sim a buscar dentro de mim mesmo muitas questões complexas de como lidar em situações familiares e pessoais me levou ao passado em minha relação com meu pai, e como no passado mais também no presente essas relações são delicadas. Enfim muito aprendizado e uma obra rica em sabedoria e conhecimento.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não temos como fugir do que faz parte de nós, afinal, somos produto de nossas experiências. No entanto, podemos identificar o que não precisamos carregar conosco, descortinando quem somos por baixo desse complexo sistema que nos "modelou", soltando os excessos de peso pelo caminho... Tudo é processo, seguimos caminhando pela vida, focando no que podemos fazer com o que fizeram de nós. Obrigada por sua participação, volte sempre!

      Excluir

Sua opinião é muito importante!