ASSUNTO
Relações familiares, sociais e afetivas, suicídio, psicodiagnóstico, saúde mental e arte.
SINOPSE
1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van
Gogh, Armand Roulin (Douglas Booth) encontra uma carta por ele enviada ao irmão
Theo, que jamais chegou ao seu destino. Após conversar com o pai, carteiro que
era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a
correspondência. Desta forma, ele parte para a cidade francesa de Arles na esperança
de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma
investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar
se ele realmente se matou.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
A animação é uma obra prima, trazendo
para a telona a arte de Van Gogh em movimentos, tão tocantes quanto suas obras.
Como qualquer obra prima, inspira diferentes percepções no espectador. A
animação quase documental, não se furta de evidenciar conflitos existenciais de
sua história, traduzidos em suas obras. Tal qual Armand, personagem que
investiga a vida do artista, somos conquistados aos poucos, pela riqueza de situações emocionantes e curiosas em torno do mestre. Alguns elementos históricos foram incluídos na
trama, de forma tão sensível, que o filme se torna magnífico. Um dos aspectos
que mais me tocou, tem a ver com repetidas angústias que chegam diariamente ao
consultório de psicologia. Falamos da dificuldade daqueles que não se “encaixam”
no que a família ou a sociedade espera dele. Encontrar a própria vocação, em
meio às pressões familiares e sociais, pode ser dilacerante. Família e sociedade
funcionam com seus padrões de exigência, muitas vezes desestimulando,
reprovando, sufocando a singularidade do ser. A adolescência, momento de ENEM, de
pressão versus sensações intensas, podem desencadear frustrações insuportáveis.
A ausência de suporte pode agravar a situação. A crítica, a reprovação, afeta o
processo de identidade da pessoa, sua auto estima pode ser prejudicada. A
depressão, mal do século, pode ser considerada como a melhor alternativa, que o
sujeito encontra para lidar com a situação. Longe de apontar uma relação causal
para a depressão, estamos partilhando uma reflexão provocada pela trama.
Não há
conclusão alguma sobre o que de fato aconteceu com Van Gogh. Ao contrário,
outras questões são suscitadas. Uma delas se refere aos padrões exigidos para os
jovens, muitas vezes, sem terem a chance de descobrir a si mesmos. Lembramos do
Antonio Gaiarsa, em seu alerta às mães, que precisavam ouvir mais seus filhos,
no lugar de seguir “receitas prontas” sobre a boa educação. Não temos como
saber ao certo como tudo poderia ter sido diferente, mas é um aspecto
possível para reflexão. O diagnóstico de Van Gogh tem sido um desafio para a
psiquiatria, que aponta diferentes possibilidades. Ele viveu atormentado por desequilíbrios
emocionais, por sua incapacidade de estabelecer relações duradouras, por seus
episódios irracionais, pela impulsividade e a oscilações de humor. Há indicações
de epilepsia, intoxicação, abuso de absinto, além da sugestão de diferentes
transtornos, desde a esquizofrenia ao transtorno bipolar. Fato é que sua obra
só foi reconhecida após a sua morte, revelando a falta de reconhecimento de si
mesmo, não só como artista, mas, principalmente, como pessoa pertencente ao
mundo que habita. Independente de seu diagnóstico, suas obras são evidências de
um dom espetacular, capaz de capturar o público em suas formas e cores, que já
sugeriam movimento, muito antes da animação existir. Suas relações consigo e com o mundo podem ser apreciadas no filme, num entrelaçamento constante entre fatos e diferentes obras produzidas por ele. Por se tratar de um tipo inédito, repleto de possibilidades, recomendamos o filme, um lindo convite para cada espectador vivenciar a
própria experiência.
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