sábado, 31 de agosto de 2013

O SUBSTITUTO ( Indiferença)

clip_image001
ASSUNTO
Abuso, Sistema educacional, relações sociais, afetivas, humanas, existencialismo, suicídio, mecanismos de defesa.
SINOPSE
Henry Barthes é um professor brilhante com um verdadeiro talento para se conectar com seus alunos. Em outro mundo, ele seria um herói para sua comunidade. Mas, assombrado por um passado conturbado, ele escolhe ser professor substituto - nunca na mesma escola por mais que algumas semanas, nunca permanecendo tempo suficiente para formar qualquer relação com os alunos ou colegas. Uma profissão perfeita para alguém que busca se esconder ao ar livre. Quando uma nova missão o coloca numa decante escola pública, o isolado mundo de Henry é exposto por três mulheres que mudam a sua visão sobre a vida: uma estudante, uma professora e uma adolescente fugitiva.
Durante somente três semanas o professor substituto (Henry Barthes) deverá enfrentar a doença (Alzheimer) e morte do avô, com quem viveu uma terrível história familiar; a vida de uma adolescente prostituta e maltratada, que acabará hospedando na sua casa; alunos violentos e sem perspectiva de futuro, outros com uma carga incrível de sofrimento e carentes do mais básico; professores/as que ainda tentam fazer o seu melhor com alunos/as que não estão para nada interessados em estudar, enquanto outros, carregando histórias pessoais trágicas, afundam na angústia e na depressão. Para ler mais, clique aqui.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Acabo de escrever sobre a necessidade que temos de pertencimento e de reconhecimento no post sobre o filme “Dá para fazer”. Agora, me deparo com o título deste filme, que no original seria indiferença. INDIFERENÇA é um NÃO LUGAR, uma invisibilidade, um não reconhecimento de si no ambiente. Parece que falamos da mesma questão, aqui discutida sobre outra perspectiva. Um primeiro olhar nos remete ao ambiente escolar, o que nos faz crer que o foco é o sistema educacional em decadência. Entretanto, a trama vai muito além, nos propõe reflexões profundas sobre existência. Neste sentido, o tema é bem existencialista, no sentido filosófico da palavra. É um drama existencial repleto de sentidos e não “sentidos”. O personagem principal é professor substituto, o que o configura como a impermanência, não aquela que nos permite o desapego, a renúncia, a aceitação das mudanças. O conceito aqui é usado para definir fuga, trata-se de uma defesa, o movimento de evitar a autenticidade, riscos que o vínculo pode provocar. No desenrolar da trama, somos aos poucos informados das possíveis “razões” que promoveram tal comportamento. Tendo como ponto de partida o texto de Edgar Allan Poe - “A queda da casa dos Usher”, o drama aborda a queda de um sistema. Cenas melancólicas retratam o isolamento, a falta de contato com outros sistemas como agente provocador do esvaziamento. Pais, professores, alunos, todos se trancam em seus universos particulares, incapazes de trocas nutritivas, transbordam frustrações. O sistema, por falta de alimentação, adoece, assim nos ensina a “teoria de sistemas”. De fato, é isso que assistimos na trama, a escolas e as pessoas não mais participam de trocas nutritivas. “Detachment”, o título original, pode significar deslocamento, ou melhor, dizendo, retrata a postura neurótica de estar destacado, isolado. Henrý tenta fazer a diferença em seu ofício, mas também se preserva. Os fantasmas de sua infância teimam em assombrá-lo. Aqui, também, os rótulos são responsáveis por algumas situações críticas, como no caso de Meredith, que por ser obesa é alvo de Bullying. Ela sofre humilhações diárias, é agredida verbalmente por seus colegas e pelos seus próprios familiares. O universo caótico é pessoal e educacional, retratando uma realidade dura, que incomoda o telespectador, chegando a sufocar.
As individualidades são atropeladas por um sistema que as reprime, as ignora. A trama transcende a principal discussão, a crise no ensino, se transforma em uma ampla discussão sobre a crise existencial, particular e universal. A crise educacional é, então, apresentada como resultado de uma crise maior: de relações humanas. Tudo é evidenciado em personagens marcantes, como: o professor Charles que usa antidepressivo; a psicóloga perde o controle, após tanto se esforçar em seu ofício; e, a diretora que descompensa ao ver seu sonho de ensino ser transformado em moeda de mercado. Henry, que a princípio se mantém afastado, acaba sendo envolvido em outros dramas. A aluna marginalizada, a prostituta e a professora ameaçam tocá-lo. Acontecimentos trágicos, como a má interpretação da professora, a revelação da prostituta como alguém capaz de cuidar, de dar carinho e o trágico suicídio lhe dão ferramentas para enfrentar seus fantasmas. Quando ele, ainda assombrado por seu passado, tenta acolher a aluna marginalizada, provoca a má interpretação da professora. Sua reação é gritar, como se quisesse dizer a si mesmo que não pode ser a repetição do avô. Seu medo fica evidenciado quando tenta proteger a menina prostituta - de si mesmo, a encaminhando para um abrigo. Nessa altura, seu avô já tinha morrido, ele tenta voltar ao mecanismo de isolamento, anunciando o fim de sua temporada na escola. Sua tentativa de permanecer protegido em seu isolamento é frustrada. Depois de se arriscar em contatos autênticos, ele já havia se transformado, tá tinha tocado os outros e permitido ser tocado, não era possível ser o mesmo. Não há final feliz, não há respostas, a transformação é sofrida na dor, parte da depressão, do suicídio, do vazio, da devastação. A inclusão é possibilidade, o outro é parte do mesmo todo que componho, as relações autênticas nos transforma, tudo isto é caminho. Impactante, o filme provoca diversas reflexões. A seguir, destaco algumas frases presentes nos fortes diálogos da trama.
· “Eu sei como é importante ter um rumo e também ter alguém que possa ajudar a entender as complexidades do mundo em que se vive”.
· “Eu sou uma das poucas pessoas aqui que quer te dar uma oportunidade, agora eu só vou pedir pra você sentar e fazer o seu melhor”.
· “Você já foi usada e descartada tantas vezes que até se acostumou com isso”.
· “Eu perco muito tempo tentando não me envolver, para não me comprometer”.
· “Devia ter um pré-requisito, um currículo para poder ser pai, antes das pessoas tentarem”.
· “Incoerência é acreditar deliberadamente em mentiras sabendo que elas são falsas. Por exemplo: eu preciso ser bonita para ser feliz... ser magra, famosa, estar na moda... Os nossos jovens de hoje são ensinados que as mulheres são prostitutas, vadias, coisas para serem fornicadas, espancadas, envergonhadas. Isto é um holocausto publicitário, vinte e quatro horas por dia, pelo resto de nossas vidas. Os poderes instituídos vivem nos emburrecendo até a morte. Então, para nos defendermos e conseguirmos lutar contra a assimilação dessa burrice em nossos processos mentais, temos que aprender a ler, para estimular a nossa própria imaginação, para cultivar a nossa própria consciência, nossos próprios sistemas de crenças. Todos nós precisamos dessa competência para nos defender, para preservar as nossas mentes”.
· “O coração inteligente de uma criança pode desvendar as profundezas do mundo e dos locais sombrios, mas poderá entender o delicado instante de seu próprio distanciamento?”
· “Somos todos iguais, todos nós sentimos dor, todos nós temos um caos em nossas vidas. A vida é muito, muito confusa, eu sei, não temos todas as respostas, mas eu sei que se você deixar rolar tudo dará certo”. 
· “Temos essa responsabilidade de guiar os nossos jovens, para que eles não acabem se desmoronando, para que não acabem caindo no esquecimento, se tornando insignificantes”.
· “Estamos fracassando. Fracassamos. Fracasso no sentido de que deixamos todo mundo na mão, incluindo nós mesmos”.













10 comentários:

  1. Perfeita sua reflexão,me emocionei quando vi o filme e também agora ao ler sua visão psicológica. Sábias palavras... Que delicia ter descoberto sua página, para esclarecer as entrelinhas de filmes tão belos. Gosto demais de sua forma de esclarecimento. Muito obrigada.Denise Chagas

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Denise, Eu só tenho a agradecer, mesmo! Nossa, obrigada por sua participação. Fique a vontade para apontar algo de sua percepção, a psicologia tem tudo a ver com percepção. Ninguém pode abranger todas as possibilidades na própria percepção, pois esta tem a ver com seu universo pessoal. Tal qual o processo artístico, a psicoterapia também tem contorno no encontro de diferentes percepções. Por isso, acho muito importante considerar trocas, às vezes formas diferentes, às vezes formas que acrescentam sem discordar. Não importa, o objetivo da troca é de fato o crescimento, todos se transformam diante disso. Trazer novos olhares é enriquecer a todos. Aguardo novos comentários e percepções, sempre!
      Abçs

      Excluir
  2. Patricia, parabéns pelo seu trabalho, e obrigada por compartilhar.
    Assisti a esse filme, achei perfeito! me refiro as percepções que ele desperta, no tocante
    da alma, do ser, da amizade, empatia, altruísmo, amor e entrega.
    Vale cada minuto assistido.
    Clecir.
    Abraço afetuoso!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Clecir,
      Obrigada por sua participação! Como bom é ler sobre outras percepções. Seja bem vinda, sempre! As trocas enriquecem o trabalho. Grata por sua coragem em compartilhar. Desde o início, a intenção era simples assim. Com o tempo, percebi que as pessoas têm receio em se expor, acho. Fico muito feliz quando alguém se arrisca a participar, de novo, obrigada!
      Bjokas

      Excluir
  3. Olá Patricia.
    Sou professor de História numa escola pública, mas sem tantos problemas como os verificados no filme "O Substituto". Conheci o filme graças a um comentário de uma colega de trabalho: "Nossa, ontem assisti um filme horrível, muito pesado. Fiquei muito pra baixo". O comentário martelou-me a cabeça, curioso que sou, baixei o dito filme. Que grata surpresa, apaixonei-me pela obra. Tive uma reação totalmente inversa à da minha colega. Uso o filme para motivar meus alunos e até meus colegas de trabalho, afinal também sou Professor Coordenador Pedagógico em outra escola.
    Adorei seus apontamentos, opiniões e perspicácia. Parabéns.
    Não sou psicólogo, filósofo ou sociólogo. Sou PROFESSOR e tenho muito bom senso e bom gosto.

    Obrigado, um forte abraço Patricia.


    Prof. João Gonçalves Macedo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. João,
      Fui "tocada" por seu comentário, obrigada! Procuro ter cuidado com minhas anotações sobre o filme, exatamente por conta das diversas percepções que um único filme pode suscitar. Quando comecei o este trabalho, minha intenção era abrir um espaço para trocas, por isso iniciei timidamente. Meus primeiros posts têm pouca ou quase nenhuma exposição, o que foi mudando ao longo do tempo. O blog/site foi se fazendo ao longo do tempo. Em resposta a ausência de trocas, fui aos poucos aumentando a exposição de minhas percepções. No entanto, acredito que o sentido emerge da experiência do encontro entre o espectador e o filme. Aspecto que devemos considerar sempre. Fico muito contente quando pessoas como você compartilham da própria experiência, obrigada! Volte sempre, colabore, sugira, partilhe seu rico olhar. Se desejar, pode nos acompanhar também pelo facebook em https://www.facebook.com/PsicologiaECinema (as atualizações do site são partilhadas) ou no grupo https://www.facebook.com/groups/32618232412299 (além de filmes e dicas, partilhamos vídeos interessantes sobre psicologia - alguns também sobre educação).
      Abçs
      Patrícia Simone

      Excluir
    2. Lamento pela demora em responder. Não sei como sua publicação ficou oculta para mim. Gratidão por suas sabias palavras. Volte sempre, sugira, comente!

      Excluir
  4. Parabéns pelo comentário sobre o filme... a realidade é essa, mas poderia ser diferente... vai ser diferente acredite. Eu acredito! ...
    Quando este sistema perverso for destruído!

    Quer saber como? eydrian.moveis@hotmail.com

    ResponderExcluir
  5. Uma frase do protagonista que me tocou bastante como professora: "Todos temos problemas, coisas com as quais temos que lidar. Levamos para casa de noite e para o trabalho de manhã cedo. Eu acho que tudo isso, é essa impotência, essa constatação, esse mau presságio de estar à deriva num mar sem bóias ou salva vidas...quando você achou que era você (prof), quem jogaria a bóia."

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De fato, um trecho tocante, dentre outros discursos igualmente ricos. Sua percepcão foi certeira, principalmente no que se refere aos problemas e nossa perspectiva diante deles. Se dar conta da solidão em alguns momentos, pode se tornar um acontecimento libertador. Superar o medo da solidão pode significar descobrir o próprio potencial, né? Obrigada por sua participação, volte sempre!

      Excluir

Sua opinião é muito importante!