Atendendo em consultório particular em Copacabana e na Ilha do Governador, reflito sobre a influência dos filmes em minha trajetória, que foi atravessada pelo cinema em diversas fases. Ferramenta de auxílio para a compreensão de diversos conceitos, os filmes não só informam, mas são capazes de nos tocar, favorecendo assim, novas formas de lidar com nossas questões e conflitos.
Compartilho, então, alguns desses filmes.
Relações social, afetivas e de
casal, saúde mental.
SINOPSE
Adri (Álvaro
Cervantes) é o típico homem bem-sucedido na vida, garanhão, que não se prende a
ninguém. Certa noite, ele faz uma aposta com os amigos de que consegue seduzir
uma loira que está no bar, porém, quando estava a caminho da moça, Carla (Susana
Abaiatua) esbarra nele. Encantado pela energia eufórica da moça à sua
frente, Adri se sente hipnotizado e segue aquela enigmática moça em
todos os seus mirabolantes planos – e, com ela, tem a melhor noite de sua vida.
Porém, com o nascer do sol, a misteriosa moça sai correndo, deixando Adri sem
nenhuma informação sobre ela e com um enorme vazio no peito.
TRAILER
O OLHAR DA PSICOLOGIA
Que grata surpresa! Há muito
tempo que não assistíamos a um filme assim, leve, encantador e interessante.
Sim, interessante, pois a comédia romântica escolheu pincelar assuntos sérios e
necessários, de forma leve e provocante. Obviamente, loucura e amor são
assuntos já debatidos em diferentes contextos, pois sempre foram considerados parentes.
No filme, a loucura não se restringe ao estado da paixão enlouquecedora, mas
vai além, ao percorrer o caminho delicado da saúde mental. Sim, estamos diante
de Adri, personagem que se considera normal, e, após compartilhar a aventura de
uma noite inesquecível, se percebe capturado pela garota misteriosa. Carla,
personagem que lhe proporcionou a noite mais alucinante, prazerosa e inusitada
de sua vida, avisou que seria uma única noite, mas não bastava, ele queria
mais. Entorpecido, busca pistas para encontrar a mocinha. Até então, é
inevitável pensar na cinderela e o sapatinho dos contos de fadas...
Na jaqueta, esquecida pela moça,
havia sinais que apontavam um caminho. Ainda
na ilusão de ser o príncipe salvador, Adri encontra e traça planos para salvar
a mocinha, que estaria “presa” em uma instituição psiquiátrica. Só que não, a
mocinha não queria ser salva! O que ele não sabia era que ela não estava trancafiada
contra a vontade, nem tão pouco era princesa. Carla era uma paciente com
transtorno bipolar, que nos episódios de mania, conseguia sair e se arriscar em
aventuras extasiantes. Sem perder o charme das comédias românticas, e, apesar das
linhas pouco críveis que costuram a trama, a forma que a saúde mental emerge
foge aos estereótipos, revelando personagens reais, humanos e portadores de
diferentes transtornos mentais. Pensar “fora
da caixinha” é difícil para Adri e pode ser também para o público, que é
surpreendido pela forma em que saúde mental é retratada. O protagonista pode
ser avaliado como pretensioso, daquele tipo que consegue tudo que quer, sendo
conquistado pela ruptura abrupta de algo intenso e apaixonante que acredita ter
vivido. Ele acredita que o amor será suficiente para fazê-la acreditar na
própria cura, revelando a ‘normalidade’ da moça. Entre o “normal” e o “patológico”,
público e personagens caminham, desconstruindo a visão distorcida sobre saúde
mental, num convite implícito para “sair da caixinha”, aquela repleta de
verdades equivocadas. A entrada de Adri afeta o sistema, tanto quanto ele é também
afetado, resultando em transformações mútuas durante a experiência.
Esquizofrenia, bipolaridade, Transtorno Obsessivo Compulsivo e Síndrome de Tourette são transtornos que podem ser identificados
na trama. Saul, personagem que divide o quarto com Adri, é coadjuvante, mas carrega
a humanidade necessária para comover e provocar o público. Ele é responsável
por levantar questões sobre a dita “normalidade”. Além de revelar no encontro o
quanto o desejo de melhorar não é suficiente, nos casos de transtornos mentais
graves. A portadora de síndrome de Tourette (doença neurológica que leva a
pessoa a realizar atos impulsivos, frequentes e repetidos, também conhecidos
como tiques, como piscar os olhos ou movimentar as mãos e
os braços, que depois se agravam, surgindo palavras repetidas, movimentos
bruscos e sons como latir, grunhir, gritar ou falar palavrões, por exemplo) emociona, ela revela sua dificuldade
de auto estima, que prejudica o desenrolar de sua relação afetiva. Vamos
combinar, não deixam de ser dificuldades comumente encontrada em alguma fase da
vida de qualquer um. Aliás, qual é o limite de cada um? O filme provoca questões
sobre os limites necessários em qualquer relação afetiva. O protagonista,
por exemplo, exibe um “saber” equivocado sobre o tema, acreditando que frases
positivas, ou, premissas, facilmente encontradas em livros de autoajuda, serão
suficientes para transformar ou curar. A convivência dele com os pacientes
revela sua incapacidade de respeitar o outro como ele é, o que,
definitivamente, não se restringe as relações com pacientes. Amar, gostar,
desejar não pode ser sinônimo de transformar o outro naquilo que convencionamos
como adequado, todo ser tem sua singularidade que precisa ser respeitada. Diante
do momento delicado do nosso país,
considerando os retrocessos no trato com saúde mental, o filme traz um olhar
humanizado muito bem-vindo. Apesar de
descrever uma instituição que está longe da realidade brasileira, e, em alguns
momentos “escorregar” no viés cômico, a personagem médica também dá seu recado.
Ela destaca a insuficiência, ou, até o
risco no tipo de apoio que leigos podem oferecer, mesmo sendo carregado de
afeto, Outro aspecto que pode ser estendido para qualquer tipo de relação
afetiva. Saber quando procurar ajuda profissional, se informar sobre como
ajudar, vai além dos transtornos graves, pode ser simplesmente por acreditar em
soluções próprias para a necessidade do outro, sem que haja conhecimento real
sobre o que acontece. De fato, o filme pode ser mais do que um entretenimento,
um colírio em momentos de isolamento, um afago na alma, confira!
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