domingo, 17 de julho de 2016

Anomalisa


ASSUNTO
“Síndrome de Fregoli”, Depressão, solidão, relações sociais e afetivas,  deturpação dos sentidos

SINOPSE.
Michael Stone (voz de David Thewis) é um palestrante motivacional, marido, pai e respeitado autor de “Como Posso Ajudá-lo a Ajudá-los?” Michael, que acaba de chegar à cidade de Connecticut é um homem incomodado com a rotina da sua vida. Ele segue do aeroporto direto para o hotel, onde está programado para dar uma palestra em uma convenção, onde entra em contato com um antigo caso para que possam se reencontrar. A iniciativa não dá certo, mas Michael se surpreende ao descobrir uma possível escapada de seu desespero: Lisa, uma despretensiosa representante de vendas, que pode ou não ser o amor de sua vida. 

TRAILER

O OLHAR DA PSICOLOGIA
“Anomalisa” é uma animação para adultos, aliás, para poucos, embora imperdível. Há que se ter abertura para mergulhar no conflito existencial de Stone, e, perceber o mundo a partir dele. Sim, existe distorção na percepção dele em relação ao meio. Não existe problema na percepção singular de cada ser, entretanto, logo fica claro que há algo errado na percepção dele, que não consegue diferenciar a singularidade do outro.  Lhe falta empatia? Talvez, mas não é a única questão explorada. Acompanhamos a rotina monótona de alguém que, apesar do sucesso com seu livro motivacional, se encontra sem qualquer motivação em sua rotina. Há um pé dele no passado mal resolvido, algo não compreendido, situação inacabada - conceito caro para Abordagem gestáltica. Desde o início, é possível perceber uma voz comum a todos os outros personagens, o que sugere sua indiferença em relação ao seu entorno. Vozes e rostos sugerem uma semelhança incompreensível, talvez uma máscara única em todos, além da voz única para diferentes personagens, independente do gênero.
O nome do hotel sugere que Stone sofre da síndrome de Fregoli, um transtorno psicológico que leva o indivíduo a acreditar que as pessoas à sua volta são capazes de se disfarçar, alterando a sua aparência, roupas ou gênero, para se fazerem passar por outras pessoas. Durante o delírio, a pessoa acredita que os outros se disfarçam para persegui-lo por motivos variados. Geralmente, está diretamente ligada ao delírio de perseguição. O nome do distúrbio é em homenagem ao ator italiano Leopoldo Fregoli, que viveu entre 1867 e 1936 e era famoso pela sua versatilidade no palco, capaz de encenar vários personagens na mesma peça. Há quem fale de depressão, enfatizando sua prisão no passado, ou, sua dificuldade de perceber as mudanças, se fechando em um mundo próprio, desmotivado, cinza. Escolhemos outra perspectiva para debate, a sua dificuldade de contato. Michael Stone apresenta uma percepção alterada, seus sentidos estão distorcidos. Lembrando de Fritz Perls, que considera a recuperação dos sentidos um propósito necessário para a saúde, a animação enfatiza, o tempo todo, sua mesmice na percepção do meio. Perspectiva que provoca a identificação do espectador para sua própria visão de mundo. A Abordagem Gestáltica considera a interrupção do contato um mecanismo de defesa que pode afetar a saúde do indivíduo. O mecanismo de defesa pode, então, estar “cristalizado” ou “engessado”, e, portanto, no lugar de defender, apenas nos adoece. A percepção de mundo é afetada, no lugar de fazermos contato com o meio, no momento presente, interrompemos o contato, substituindo por uma percepção de outro tempo. O cotidiano explícito de Michael Stone pode transportar o espectador para suas neuroses cotidianas, momentos nos quais interrompe o contato com o meio e “deduzindo” o que ouve ou o que vê, conclui sua percepção do outro, sem que nada seja checado. Na era tecnológica, a multiplicidade de estímulos tem favorecido a distorção dos sentidos, que privilegiam a superficialidade, promovendo a interrupção do contato pleno, autêntico, saudável. A animação explicita o que chamamos de “zona de conforto”, lugar onde nada cresce, nada é fonte de prazer, mas é conhecido e seguro. Como lugar comum há os tantos personagens de nossa era, aqueles que escolhem não correr riscos, não aceitar diferenças, resistir às mudanças. A autenticidade está distante, há um padrão a ser seguido, onde o diferente, o autêntico, pode ser considerado como anomalia. A animação é repleta de detalhes, um diálogo, um cenário ou expressão podem promover diferentes reflexões. No final das contas, “quem sou eu?” é uma pergunta mesmo difícil de ser respondida, tendo em vista que estamos em constante transformação, ou não?






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