ASSUNTO
“Síndrome de
Fregoli”, Depressão, solidão, relações sociais e afetivas, deturpação dos sentidos
SINOPSE.
Michael Stone (voz de David
Thewis) é um palestrante motivacional, marido, pai e respeitado autor de “Como
Posso Ajudá-lo a Ajudá-los?” Michael, que acaba de chegar à cidade de
Connecticut é um homem incomodado com a rotina da sua vida. Ele segue do
aeroporto direto para o hotel, onde está programado para dar uma palestra em
uma convenção, onde entra em contato com um antigo caso para que possam se
reencontrar. A iniciativa não dá certo, mas Michael se surpreende ao descobrir
uma possível escapada de seu desespero: Lisa, uma despretensiosa
representante de vendas, que pode ou não ser o amor de sua vida.
TRAILER
O OLHAR DA
PSICOLOGIA
“Anomalisa”
é uma animação para adultos, aliás, para poucos, embora imperdível. Há que se
ter abertura para mergulhar no conflito existencial de Stone, e, perceber o
mundo a partir dele. Sim, existe distorção na percepção dele em relação ao meio.
Não existe problema na percepção singular de cada ser, entretanto, logo fica
claro que há algo errado na percepção dele, que não consegue diferenciar a
singularidade do outro. Lhe falta empatia? Talvez,
mas não é a única questão explorada. Acompanhamos a rotina monótona de alguém
que, apesar do sucesso com seu livro motivacional, se encontra sem qualquer
motivação em sua rotina. Há um pé dele no passado mal resolvido, algo não
compreendido, situação inacabada - conceito caro para Abordagem gestáltica. Desde o início, é possível perceber uma voz
comum a todos os outros personagens, o que sugere sua indiferença em relação ao
seu entorno. Vozes e rostos sugerem uma semelhança incompreensível, talvez uma
máscara única em todos, além da voz única para diferentes personagens,
independente do gênero.
O nome do hotel sugere que Stone sofre da síndrome de
Fregoli, um transtorno
psicológico que leva o indivíduo a acreditar que as pessoas à sua volta são
capazes de se disfarçar, alterando a sua aparência, roupas ou gênero, para se
fazerem passar por outras pessoas. Durante o delírio, a pessoa
acredita que os outros se disfarçam para persegui-lo por motivos variados.
Geralmente, está diretamente ligada ao delírio de perseguição. O nome do
distúrbio é em homenagem ao ator italiano Leopoldo Fregoli, que viveu entre
1867 e 1936 e era famoso pela sua versatilidade no palco, capaz de encenar
vários personagens na mesma peça. Há quem fale de depressão, enfatizando sua
prisão no passado, ou, sua dificuldade de perceber as mudanças, se fechando em
um mundo próprio, desmotivado, cinza. Escolhemos outra perspectiva para debate,
a sua dificuldade de contato. Michael Stone apresenta uma percepção alterada,
seus sentidos estão distorcidos. Lembrando de Fritz Perls, que considera a
recuperação dos sentidos um propósito necessário para a saúde, a animação
enfatiza, o tempo todo, sua mesmice na percepção do meio. Perspectiva que
provoca a identificação do espectador para sua própria visão de mundo. A
Abordagem Gestáltica considera a interrupção do contato um mecanismo de defesa
que pode afetar a saúde do indivíduo. O mecanismo de defesa pode, então, estar “cristalizado”
ou “engessado”, e, portanto, no lugar de defender, apenas nos adoece. A
percepção de mundo é afetada, no lugar de fazermos contato com o meio, no
momento presente, interrompemos o contato, substituindo por uma percepção de
outro tempo. O cotidiano explícito de Michael Stone pode transportar o
espectador para suas neuroses cotidianas, momentos nos quais interrompe o
contato com o meio e “deduzindo” o que ouve ou o que vê, conclui sua percepção
do outro, sem que nada seja checado. Na era tecnológica, a multiplicidade de
estímulos tem favorecido a distorção dos sentidos, que privilegiam a
superficialidade, promovendo a interrupção do contato pleno, autêntico,
saudável. A animação explicita o que chamamos de “zona de conforto”, lugar onde
nada cresce, nada é fonte de prazer, mas é conhecido e seguro. Como lugar comum
há os tantos personagens de nossa era, aqueles que escolhem não correr riscos,
não aceitar diferenças, resistir às mudanças. A autenticidade está distante, há
um padrão a ser seguido, onde o diferente, o autêntico, pode ser considerado como
anomalia. A animação é repleta de detalhes, um diálogo, um cenário ou expressão
podem promover diferentes reflexões. No final das contas, “quem sou eu?” é uma
pergunta mesmo difícil de ser respondida, tendo em vista que estamos em
constante transformação, ou não?
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