domingo, 22 de junho de 2014

Terapia do sexo


ASSUNTO
Sexualidade, compulsão, relações sociais, afetivas, terapêuticas e familiares.

SINOPSE
Adam (Mark Ruffalo) e Phoebe (Gwyneth Paltrow) iniciam um relacionamento, só que quando ela quer apimentar um pouco as coisas ele hesita, pois não está pronto para contar a verdade: de que está passando por um tratamento contra o vício por sexo. Ao lado de Mike (Tim Robbins), Neil (Josh Gad) e Dede (a cantora Pink), Adam faz uma terapia de 12 passos contra essa dependência e compartilha frequentemente seus desafios, medos e confusões sobre o que está passando.

TRAILER

O OLHAR DA PSICOLOGIA
Com o título original THANKS FOR SHARING (Obrigada por compartilhar), a trama retrata as dores e angústias vividas por diferentes participantes de uma sala de autoajuda para viciados em sexo. Eles estão em diferentes estágios de uma mesma dependência: Adam é um solteirão, consultor ambiental, que mantém uma abstinência de cinco anos; Mike é um construtor civil de meia idade, desde sempre casado com a sua namorada do colegial e visto por todos como o guia do grupo; e Neil um jovem médico de urgências, em fase de negação, e, Dede, a mais nova integrante do grupo. Enquanto mostra as dificuldades enfrentadas por eles, a trama aborda também conflitos familiares, particularmente na relação de Mike com seu filho. O dilema do velho ditado “em casa de ferreiro o espeto é de pau” é bem ilustrado, ao mostrar a diferença entre a disponibilidade do pai em relação ao filho, daquela dispensada ao grupo. Adam irá enfrentar alguns obstáculos para construir uma relação afetiva que possa incluir o sexo, sem que perca o controle da situação. Com a entrada de Dede, Neil tem a oportunidade de estar do outro lado da situação, o que permite que se dê conta da própria perspectiva. Ambos abrem espaço para o apoio mútuo, o que permite novas configurações. A produção independente não conquistou sucesso de crítica, nem de público, mas tem seu devido reconhecimento ao abordar um assunto tão complexo em uma comédia romântica, o que torna o filme leve e esclarecedor. O programa de Doze Passos (twelve-step program) é a estratégia central da grande maioria dos grupos de autoajuda para o tratamento de dependências ou compulsões, sendo mais conhecidos no Brasil os Alcoólicos Anônimos (e grupos relacionados como Al-Anon/Alateen, voltados às famílias de alcoólatras) e Narcóticos Anônimos. O programa foi criado nos Estados Unidos em 1935, por William Griffith e Doutor "Bob" Smith, inicialmente para o tratamento de alcoolismo e mais tarde estendido para praticamente outros tipos de dependência, como acontece no grupo MADA (Mulheres que amam demais) e em grupos de viciados em sexo. A importância desses grupos de autoajuda é indiscutível, entretanto é necessário destacar a necessidade do acompanhamento psicoterapêutico na maior parte dos casos de dependência.
O grupo de autoajuda é capaz de dar um suporte inestimável, pois todos ali vivem situação semelhante, o que facilita a aceitação do próprio estado. Entretanto, o olhar está na doença e na aceitação da própria condição de “doente”, o que difere da psicoterapia gestáltica, por exemplo. A abordagem gestáltica foca a saúde, a singularidade da pessoa, seus limites e potenciais. Para os gestaltistas, os sintomas representam um movimento de busca do próprio equilíbrio, portanto é a linguagem do organismo na busca da autorregulação. O sintoma sinaliza a incompletude de alguma necessidade não atendida adequadamente, sendo considerada como situação inacabada. O trabalho em conjunto – Grupo, psicoterapia, psiquiatra, se necessário - pode, sim, facilitar a integração do sujeito, permitindo que ele possa desenvolver seu potencial, possibilitando outras perspectivas, atualizando e atendendo melhor as suas necessidades.
Dentre as reflexões propostas, destaco algo que me tocou e que refere a um conceito caro ao psicólogo: a empatia. A empatia é a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, o que tem como requisito o não julgamento, para que depois seja possível retornar a perspectiva teórica, profissional para auxiliar ao ajudar ao cliente. Mas, como compreender esse lugar, quando a realidade deste “outro” está fora do meu universo? É preciso estar inteiro com esse outro, é preciso estar disponível, não julgar, e, experimentar outras formas de funcionar no mundo. Obviamente, esse movimento, que é semelhante ao “faz de conta”, nos coloca com a possibilidade de ativar nossas sensações a partir daquele lugar, ou melhor, daquela perspectiva. No set terapêutico, diariamente encontramos novas e diferentes formas de funcionar no mundo. A experiência do psicoterapeuta é fundamental, mas nunca é suficiente para dar conta de todas as perspectivas possíveis. Ou seja, o mais importante, independente do tempo de trabalho e das experiências com casos semelhantes, é permanecer curioso, atento e disponível para a singularidade de cada um. Obviamente, é importante adquirir conhecimento sobre as possibilidades diagnósticas já conhecidas, entretanto não podemos nos ater a isto, é preciso descobrir como é para a pessoa no momento presente, ou seja, aqui e agora. Não há como não se surpreender com cada nova singularidade que surge no set terapêutico. A compulsão sexual, por exemplo, é o tipo de diagnóstico que não tive a oportunidade de encontrar em meus atendimentos. Assistir ao filme foi uma experiência enriquecedora em muitos aspectos. Fiquei me perguntando como seria estar no lugar de algum dos personagens retratados. Ficou um pouco mais fácil, quando eu me lembrei dos impulsos incontroláveis da adolescência, quando os hormônios estão à flor da pele, tornando difícil e quase insuportável o controle. Aos poucos, diante de cada cena que vai aproximando o espectador do cotidiano de cada um, é possível desconstruir pré-conceitos, tornando possível a experiência da empatia. O que até então era entranho, passa a fazer parte do nosso repertório. Os outros comportamentos compulsivos são amplamente divulgados, discutidos, vistos e revistos. Pouco se fala sobre compulsão sexual e o filme presta um serviço inigualável, ao retratar diferentes aspectos da mesma compulsão. Desta forma, recomendo ao espectador a suspensão de conceitos diante das experiências retratadas na trama. Como dito no título original, OBRIGADO POR COMPARTILHAR, a fita aponta para o quanto este ato de compartilhamento pode levar a um caminho mais saudável. Recomendo!








3 comentários:

  1. Enquanto eu assistia o filme, mesmo não tendo passado pelas situações dos personagens, eu entendia o que eles sentiam, eu consegui me colocar no lugar deles. Mas dai eu fiquei pensando, como posso entender o que eles sentiam se eu nunca tinha passado por aquilo? Agora com seu texto ficou mais claro, eu acho que desenvolvi essa tal empatia e consigo compreender certas situações, mesmo não passando por elas. É como se mentalmente eu pudesse entrar nesse outro mundo e sentir o que os personagens sentem.
    Muito interessante, é também uma maneira de aprender com os erros das outras pessoas, e ajuda a ter autocontrole... Mas etapa mais difícil é usar isso a nosso favor. Analisar, observar, compreender... isso talvez não seja difícil. Difícil é aplicar em nossas próprias vidas todo esse estudo. Pode ser que não iremos mais julgar o próximo, mas e com nós mesmos? Aquele conflito interno... esse é o mais difícil de lidar.

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    1. Sellen,
      Muito obrigada por sua participação. Muito ricos, os seus comentários. O fato de conseguirmos a tal "empatia" nos ajuda a ampliar nosso campo, o que não significa experimentar, sentir como de fato nossa experiência. Entretanto, quando maior nosso campo, maiores se tornam nossas perspectivas de mundo, o que favorece até nossa autocrítica. Resumindo, tal capacidade nos favorece o contato conosco e com o mundo (o outro) de forma mais autêntica. Acredito que por mais estranho que o comportamento do outro seja, quando conseguimos ser empáticos, tornamos mais fácil olhar o outro e para si mesmo com menos "pré-conceitos", menos
      "pré-ocupações" e mais "respons-abilidade" (habilidade de responder) por nossas escolhas.
      Abs

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  2. Eu recomendo assistir o filme, Shame, do diretor Steve McQueen, com os atores Michael Fassbender e Carey Mulligan. O filme conta com mais detalhes sobre o problema da compulsão sexual principalmente por meio da pornografia na internet. Vale a pena assisti-lo.

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