quarta-feira, 18 de abril de 2012

A cova da Serpente

clip_image002ASSUNTO
Saúde mental, psicoterapia, relação terapêutica, hospitais psiquiátricos.

SINOPSE
Virginia, uma jovem mulher, e Robert Cunningham encontram-se e terminam se apaixonando.  Pouco tempo depois, eles se casam.  Após o casamento, Robert começa a notar que Virginia não apresenta o comportamento de uma pessoa normal.  Percebendo que ela precisa de mais ajuda do que a que ele pode lhe proporcionar, Robert decide interná-la numa Instituição para doentes mentais. Lá, ela é atendida pelo paciente Dr. Mark Kick, que lhe dá toda a atenção, iniciando um tratamento  com eletro-choques, hipnoterapia e sessões de psicanálise, visando curá-la da amnésia depressiva em que se encontra.  Aos poucos, ela começa a apresentar melhoras animadoras. Entretanto, ela sofre muito nas mãos da enfermeira-chefe, que vive criando casos e a ameaçando de transferência para o Pavilhão 33, 'a cova das serpentes', onde são confinados os pacientes sem esperanças de cura.  A gota d'água ocorre quando Virginia diz à enfermeira que ela a trata mal porque está apaixonada pelo Dr. Kick e que tem ciúmes pelo fato do médico ser paciente e lhe dedicar bastante atenção. Virginia termina sendo transferida para o Pavilhão 33, onde sofre uma completa recaída.  O novo Pavilhão é tudo o que se possa imaginar de pior num Asilo, com os pacientes desenganados a gritarem e dançarem o tempo todo. Dr. Kick continua o tratamento, obtendo uma boa resposta de sua paciente que, aos poucos, vai se libertando de seus medos e descobrindo as causas de sua doença, causas essas ligadas a sentimentos de culpa mal resolvidos em relação principalmente a seu pai.  No final, completamente curada, ela recebe alta e volta para seu marido. Fonte, clique aqui.

TRAILER

O OLHAR DA PSICOLOGIA
Para quem tem interesse em saúde mental, o filme é um prato cheio. Ainda que antigo, é fonte inesgotável de informações sobretudo, quando nos referimos a tudo que motivou o processo da luta antimanicomial. O fato de ser preto e branco não tira o brilho da trama, que nos convida a acompanhar a luta de um profissional para tratar de sua cliente através da psicoterapia, evitando utilizar os tratamentos que estavam em voga. De fato, a paciente consegue reverter seu quadro patológico no durante o processo. Entretanto, não somos poupados de assistir diversos tratamentos inapropriados, que acontecem com todos os pacientes do hospital psiquiátrico. Enquanto a paciente é parte do processo, um detalhe me chamou a atenção. O tratamento dispensado pelo psiquiatra supera o objetivo individual, pois Virgínia consegue dar continuidade a arte de “estar com” ao se relacionar com outra paciente. Explico melhor...

 O pai da gestalt-terapia, Fritz Perls, há muito deixava claro que a psicoterapia era mais do que um recurso individual. Ele chegou a dizer que esse tipo de tratamento estaria obsoleto, pois deveria se estender a todos, fossem grupos ou comunidades. Considerando a Gestalt-terapia uma filosofia de vida, fica claro que quando o trabalho no consultório é proposto pela abordagem gestáltica, se estende ao redor daqueles que estão no processo. Ou seja, ao se dar conta do óbvio, os conceitos de saúde se tornariam tão claros, que o cliente se torna agente facilitador para o outro. A paciente do filme estreita amizade com outra, que era considerada agressiva e isolada. Percebendo o comportamento da amiga como uma forma de buscar equilíbrio frente aos seus conflitos, Virgínia se identifica com ela. Ainda que a outra não reaja a sua disponibilidade, Virgínia não se afasta, nem a ignora. Percebemos que “estar com”, não desistir ou aceitar seu isolamento, é uma forma de se colocar disponível para a amiga, semelhante à disponibilidade que o psiquiatra a ofereceu. De fato, a transformação que viveu permitiu que se tornasse agente transformador do outro, como poderemos perceber no final da fita. Durante sua despedida no dia da alta, a paciente que até então não tinha pronunciado uma palavra sequer, consegue falar “Virgínia” sinalizando um bom prognóstico. Consigo perceber esse movimento com clientes atuais e até mesmo aqueles que já tiveram alta em meu consultório. Eles acabam propagando algo que se deram conta durante o processo terapêutico, tornando-se facilitadores de caminhos alheios. Não quero dizer com isso que se tornam “psicoterapeutas”, mas que conceitos psicoterápicos como “estar com”, entre muitos outros, acabam por se tornar filosofia de vida. Aquele que está ou esteve em processo terapêutico, caminhando de volta para si, aprende mais sobre o que é simples e óbvio, passam a julgar menos, assumindo maior responsabilidade sobre si e maior tolerância quanto à imperfeição do outro. Desta forma, ficam mais disponíveis e podem favorecer ao menos o pontapé inicial ao processo do outro buscar seu próprio caminho. Isso é lindo, e, sendo retratado num filme tão antigo, emociona. Há também no filme, uma referência a tão falada “Transferência” no final. Ao se despedir, Virgínia agradece ao médico e sinaliza algo sobre o sinal de sua cura estar relacionado ao fato de não estar, então, apaixonada pelo psiquiatra. “A cova da serpente” é um drama que se torna atual ao explorar questões sobre os transtornos mentais e suas diversas formas de tratamento. A trama nos propõe reflexão sobre a importância de nos colocarmos disponíveis ao outro, independente de seu aparente isolamento, ou sua forma diferente de funcionar no mundo. O estado psicótico é retratado em detalhes, assim como os tipos de tratamentos dispensados a seres humanos de forma degradante. O filme é emocionante, delicado e atual, vale a pena conferir. Não é difícil conseguir na net ou mesmo assistir online, vale a pena!
A história se passa no contexto de um hospital psiquiátrico, tradicional, marcado por inúmeras caracteristicas negativas: o intenso uso de terapias de eletrochoque (acompanhadas de dor e sofrimento), a fúria do grupo de enfermagem (amplamente desconectado de uma proposta de bem-estar do paciente). (...) No hospital há a presença de um psiquiatra que opta pelo largo uso da psicoterapia e da “palavra” como mecanismo de cura. Se utilizando de recursos tradicionais, e hoje deixados de lado, como a hipnose, para trazer á tona as lembranças mais remotas, ele aos poucos vai reconstituindo o cenário onde se desenvolveu o forte sentimento de culpa e a persecutoriedade** (** Refere-se ao delírio persecutório - costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição, envenenamento ou intoxicação com drogas ou estar sendo alvo de comentários maliciosos.) demonstradas pela paciente. Na sua sala, no hospital, várias são as cenas onde, entre ele e sua paciente, está uma parede com um quadro de Freud, numa clara alusão à sua técnica escolhida. Este pano de fundo mostra como a psicanálise pode ser muito bem vinda dentro de instituições psiquiátricas, com seus tradicionais “casos difíceis”. Falo isto porque ainda hoje este é um excelente tema de debate no mundo psi. Mas, algumas cenas do filme são marcantes: como citei, a transformação do pátio de lazer na cova da serpente; a sensação de queda em um mar revolto; o mundo se “desfazendo” à sua volta, em tempestades e destruições. Além destes efeitos técnicos, ainda destaco o uso do flashback para contar, não só as lembranças do marido, como dela própria; e, por fim, o que achei muito interessante: o “diálogo interno”, as famosas “vozes”, mostradas em diversas oportunidades nos diálogos da paciente com ela mesma. A clara manifestação da esquizofrenia, com um quadro fortemente paranóico. Muito bom! Leia mais clicando aqui
CURIOSIDADE
Os realizadores deste filme tinham como objetivo chamar a atenção das autoridades para os maus-tratos aos quais os doentes mentais são submetidos nas populosas instituições psiquiátricas do governo. E foi justamente isso o que conseguiram. Em 1949, Herb Stein escreveu: "O Wisconsin é o sétimo estado do país a instituir reformas em seus hospitais mentais em consequência do filme". Mais tarde, todos os estados do país procuraram fazer reformas nos hospitais psiquiátricos somente por influência do filme. (….) Na cova das serpentes foi, mais precisamente, o terceiro filme a abordar sobre a vida de uma pessoa que sofre de doença mental. O primeiro foi Quando fala o coração, de Alfred Hitchcock, e o segundo, Amar foi minha ruína, ambos os filmes de 1945.Leia mais aqui.
TRECHO DO FILME


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